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Saramago Street

"Sitting on history” de Bill Woodrow, na British Library

Em Kirkintilloch, pequena localidade escocesa a menos de meia hora de Glasgow, existe uma ruazinha torta chamada Saramago Street. Não é grande coisa, mas é uma homenagem. Em Mafra, localidade portuguesa a pouco mais de meia hora de Lisboa, existe uma escola pública chamada José Saramago. É uma homenagem digna, dar o nome do escritor a uma escola.

Em Kirkintilloch há uma Biblioteca pública. Não sei se existirá por muito mais tempo, porque os governos das austeridades gostam de queimar livros (chamam-lhe “reduzir a despesa”, ou “desinvestir”, ou “ajustar”, ou “racionalizar”) e em poucos anos o governo britânico fechou, ou deixou fechar, ou entregou à sorte do voluntariado, mais de mil dessas bibliotecas por todo o país. A mais igualitária das instituições, porque permite a toda a gente o acesso gratuito ao poder (“saber é poder” e “quem não sabe, é como quem não vê”, etc. e tal) tem o mesmo destino de tudo o que é serviço público às mãos de quem acha que utente é igual a cliente e que serviço tem que ser negócio.

Em Mafra há pessoas que querem que a sua escola pública deixe de se chamar Saramago. As razões não são razoáveis, nem sequer racionais e muito menos literárias, uma vez que literacia foi doença que os proponentes aparentemente não apanharam, nem na escola, nem numa biblioteca. São estas coisas que nos recordam que as pessoas que se cruzam connosco na rua podem vir de um país chamado passado, em que as coisas se fazem de maneira diferente. Parece que vêm para nos roubar o oxigénio e ocupar espaço em lugares onde se podiam colocar contentores para reciclagem de resíduos sólidos ou, quem sabe, uma biblioteca pública.


Fiquei a saber da rua de Kirkintilloch num livro de Ali Smith, escritora nascida na Escócia que sempre me enche de alegria, na sua profunda leveza. Public Library é o título de uma coletânea de contos, intercalados por pequenos textos sobre as bibliotecas públicas, instituição que tirou muita gente dos pequenos lugares mentais, e economicamente desfavorecidos, do ex-império onde antes o sol nunca se punha e onde hoje o verão pouco se vê. Esses pequenos textos são depoimentos, testemunhos e citações. Um deles contém uma estrofe de um poema de Jackie Kay, poeta também escocesa, que põe o pai adotivo, John Kay, a falar sobre/com uma biblioteca pública, num poema chamado "Querida Biblioteca". (A tradução apressada vai por minha conta e risco.) 

Aprecio o teu silêncio vivo; a simpatia dos teus bibliotecários.
Eles representam aquilo que um serviço público verdadeiramente é: libertário.
Impossível, não sei se já disse isto, pôr-lhe um preço. Uma vez mais
Interrompe-me se estiver a ser repetitivo, os teus funcionários falam-me
De uma rua Saramago numa cidade vizinha.
Procurar, requisitar, encomendar, renovar – palavras belas, para mim.
Um cartão da biblioteca na mão é a tua democracia.

Hamish Hamilton, 5 Nov. 2015



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