SEVA, CATALUNHA – Há dois meses, a Harley-Davidson mostrou ao mundo as primeiras fotos da linha Softail 2018 e causou um tremendo salseiro. Os modelos Heritage Classic, DeLuxe, Breakout e Fat Boy sofreram mudanças radicais. Além disso, a marca resolveu pegar algumas motos da chamada linha Dyna — mais especificamente Street Bob, Low Rider e Fat Bob — e incorporá-las à família Softail. Assim, as Dyna, que ficavam logo abaixo das Softail na gama da Harley, foram oficialmente extintas. Para horror da turma conservadora e dos fãs das Dyna, e para facilitar a logísica industrial e a alegria dos que prezam o novo, todas passaram a usar os mesmos chassis e motores.
Esse movimento surpreendente se deve a um fato inegável: a Harley-Davidson precisava rejuvenescer suas motos para, por tabela, tentar renovar seu público. Fora a linha Sportster (Iron, CB, Roadster e Forty-Eight), que tem os menores preços entre as Harley, mas cuja aplicação é mais urbana, todos os outros modelos da marca estavam com um jeito de motos de “tiozão”. Agora, só as Touring (Ultra Limited, Street Glide e Road King) mantêm essa imagem conservadora: as Softail passaram por uma significativa modernização.
Os chassis são 34% mais rígidos, entre 15% e 20% mais leves (depende da balança, que varia de acordo com o modelo) e têm 22% menos soldas. Os motores são os Milwaukee-Eight (ME) — o 107, com 1.745cm³, estimados 93cv de potência e 15,5kgfm de torque, ou o 114, opcional em alguns modelos, com 1.868cm³, estimados 101cv e 16,6kgfm.
O radiadorzinho que o leitor vê nas fotos é de óleo: aqui não há a refrigeração líquida parcial usada nas Touring. Os ME substituem os veteranos TwinCam 96 ou 103. E tudo vem apoiado em novos garfos dianteiros herdados das Touring (com 13cm de curso) e um inédito monochoque traseiro bem inclinado.
Para completar, todas têm profundas mudanças visuais. Isso pode levar os conservadores a torcer o nariz, mas é inegável que as Softail ganharam outra cara — uma cara jovem e moderna, como os tempos globalizados exigem. As motos têm até entrada USB no quadro!
Nas estradinhas em torno de Seva, município a cerca de 60km de Barcelona, aceleramos quatro dos modelos da nova linha Softail que interessam ao Brasil — Fat Bob, Heritage Classic, Street Bob e Breakout (lamentavelmente a Fat Boy não estava disponível) — para dizer ao caro leitor o que ele encontrará no Salão Duas Rodas, em novembro, e nas lojas da Harley, a partir do ano que vem (os preços devem subir, mas os novos valores ainda são uma incógnita). Confira.
Fat Bob
De todas, foi o modelo que mais mudou. Era Dyna e virou Softail. Era exótica (para muitos, feia) e virou um arraso. Se o “Exterminador do futuro” de Arnold Schwarzenegger chegasse às telas hoje, seria numa Fat Bob, e não na careta Fat Boy (que, vá lá, ficou modernosa na linha 2018, mas não chega aos pés dessa Bob). Com 15kg a menos que a antecessora, tem visual de muscle bike, de moto de macho alfa — algo como as Yamaha V-Max 1.200 nos anos 80. O farol dianteiro é como uma impressão digital na cena do crime: o da Fat Bob é único, estiloso e muito imponente. O banco curto tipo roadster é harmonioso com o conjunto, assim como o tanque com uma esperta pintura na parte superior. Lá atrás, o suporte de placa com apoio nas pontas da balança é algo mais comum às big trails, mas nessa Bob casou bem.
A condução é coerente com o visual: agressiva, nervosa. O motor ME 107 responde forte, mantém o torque o tempo todo e exige cuidados extremos nas arrancadas mais desmioladas. O entre-eixos curto e os garfos dianteiros pouco lançados à frente (e invertidos, uma exclusividade dessa Bob) dão agilidade. A posição do piloto é próxima ao eixo dianteiro, o que facilita os trabalhos em curvas e dá sensação de poder nas retas. E compensa a frente relativamente pesada, já que o pneu dianteiro é gorducho (150mm).
Heritage Classic
Má notícia para quem — como eu — tem uma Heritage Classic atual: nossas motos viraram umas carroças… Nenhuma Softail foi tão beneficiada pelas mudanças mecânicas quanto a Heritage. Esqueça qualquer resquício de dificuldade para tirá-la do descanso, manobrá-la, fazer curvas — enfim, de achar, em algum momento, que é uma moto trombolhuda. A Heritage perdeu 17kg e virou uma motoquinha dócil, incrivelmente ágil, maneável e absurdamente fácil de dominar. É como se você pilotasse uma Honda Shadow VT600 mais confortável e ainda por cima sem aquele esterço estranho. As pedaleiras ainda raspam no chão com alguma facilidade, mas a posição de pilotagem continua excelente.
A moto ganhou faróis full-LED e cruise control, e os alforjes agora são um pouco maiores e têm uma prática abertura por botão. Mas, visualmente, ficaram mais caretas. A estética da nova Heritage, aliás, pode gerar polêmica: antes admiravelmente retrô, ficou questionavelmente modernoso com a aplicação de acabamentos na cor preta onde antes havia cromados (régua do tanque, garfos, guidom), de piscas pequenos e da aplicação de pintura preta na parte inferior do para-brisa. Além disso, vimos uma perda terrível — A Heritage não vem mais com sissy-bar.
Breakout
Junto com a Sportster Forty-Eight, a Breakout parece formar, no Brasil, o motoclube “Arrependidos da Estrada” — são muitos os anúncios de usadas com baixíssima quilometragem, que parecem reação de quem comprou a moto esperando uma coisa e, decepcionado, descobriu outra. A nossa Breakout atual é inquestionavelmente linda de morrer, mas tem suspensões, ciclística, ergonomia e maneabilidade sofríveis. É mais adequada a desfiles na Oscar Freire, em Sampa, ou na Vieira Souto, no Rio, do que a viagens. Boas notícias: a 2018 melhorou em tudo. Seus 17kg a menos a deixaram ágil, as pedaleiras já não raspam tão facilmente no chão (o ângulo de inclinação lateral cresceu), o novo guidom é menos avançado e deixa o piloto mais ereto sobre o banco — que ficou mais confortável —, e as suspensões estão mais macias.
Pilotá-la já não é tão sofrido, embora o conforto ainda esteja a anos-luz do encontrado, por exemplo, numa Heritage, cujo conjunto permite rodar centenas de quilômetros sem cansaço. No visual, a Breakout ganhou certo exotismo com seu farol de LEDs que parece o olho esbugalhado de um cíclope. Mas, no geral, continua com aquele jeitão bacana de moto agressiva feita para o “motoqueiro malvadão” de butique.
Street Bob
Pertencia à linha Dyna e, agora, virou Softail. Seu barato na encarnação anterior era o visual bem despojado e de estilão easy-rider, com guidom alto, banco solo e para-lama traseiro bem curvado e exposto. Essas características, ainda bem, continuam, assim como detalhes bacanas como o vistoso emblema em alto relevo no tanque e as sanfonas nos garfos dianteiros. Os aprimoramentos mecânicos proporcionaram uma melhoria estupenda no desempenho, já que o velho motor TwinCam 96 dá lugar ao Milwaukee-Eight 107.
Além disso, a Street ainda perdeu 7kg no peso. Sua pilotagem é prazerosa para quem curte força bruta, solidão e a sensação de estar em um road-movie. Mas as pedaleiras muito recuadas e o escape que raspa facilmente no chão incomodam (bote um comando avançado e metade do problema está resolvido). A Street nunca chamou muita atenção nem deslanchou no Brasil quando era Dyna e deve continuar assim, mesmo pertencendo à linha Softail. O problema é o preço alto: R$ 52 mil por um modelo pelado, sem qualquer acessório — e na linha 2018 o valor deve subir…
OGlobo