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'Se eu assistisse à Fox News, não votaria em mim mesmo', diz Obama

'Se Eu Assistisse à Fox News, Não Votaria Em Mim Mesmo', Diz Obama

RIO – Em entrevista concedida a Frederic Kachar, diretor-geral de Mídia Impressa do Grupo Globo, logo depois do discurso que fez no Fórum Cidadão Global, o ex-presidente Barack Obama abordou as duas faces da Internet e seu impacto econômico, político e social. Em sua segunda visita ao Brasil, ele participou do evento organizado pelo jornal “Valor Econômico” com o Banco Santander e a AAdvantage em São Paulo. O ex-chefe da Casa Branca citou a reforma da Saúde e o acordo nuclear do Irã como motivos de orgulho de sua gestão, e reconheceu como arrependimento não ter conseguido unir os americanos. Revelou também os planos da Fundação Obama para engajar jovens e torná-los líderes a nível global. Leia abaixo a transcrição da entrevista.

Frederic Kachar: Então, senhor presidente, muito obrigado. Tenho certeza que, depois deste evento, nosso público vai voltar para suas casas e escritórios muito mais inspirados e cidadãos muito mais ativos, como o senhor mencionou. Especialmente neste momento que estamos vivendo no Brasil, talvez estejamos passando pela nossa pior crise. Gostaria de aproveitar alguns dos pontos que o senhor mencionou, e começar pelo assunto da globalização. Ficou claro que, após o seu mandato na Casa Branca, a globalização enfrentou uma desaceleração muito mais rápida. A desigualdade está aumentando, as democracias se acham em alguns casos ameaçadas, a imigração tem trazido muitos problemas, tensões geopolíticas, como já mencionado aqui, estão atingindo os maiores níveis em décadas. O que aconteceu de tão errado neste último ano? E como podemos consertar a situação?

Barack Obama: Deixe-me começar dizendo, Frederic, que, embora o mundo venha passando por tempos difíceis, sempre que me encontro com jovens, eu lhes digo que, se um deles pudesse escolher quando nascer, talvez pudesse escolher qualquer momento na História da Humanidade. E que talvez não soubesse anteriormente quem você seria: brasileiro, americano, homem, mulher, pobre, rico, branco, negro. Mas você teria que tomar uma decisão e teria que escolher agora. E você escolheria o momento presente. Não obstante todos os desafios que enfrentamos, o mundo é mais seguro, mais bem instruído, mais tolerante do que qualquer momento na História da Humanidade. Suas chances de ter uma vida melhor são maiores agora do que há 20, 50, até 100 anos. Digo Isso, muitas vezes, para os jovens terem uma certa perspectiva. Não para que fiquemos complacentes, mas para que possamos entender que o progresso humano é possível. Como eu disse durante minha apresentação, a democracia não anda em linha reta. Às vezes desvia uma pouco, dá um passo para trás, antes que dê outro passo para frente. Estamos num momento em que as mudanças na tecnologia e na globalização, econômicas, viagens, migração, estão se deslocando num ritmo muito mais acelerado do que as nossas instituições políticas conseguem absorver. Isso faz com que as pessoas nos países do mundo todo sintam que as coisas não estão sob controle porque as coisas acontecem muito rapidamente.

E os seres humanos, de alguma maneira, inerentemente são conservadores. Não do ponto de vista político. Para essas pessoas, se as mudanças são muito diferentes, elas são desconfortáveis, acontecem com muita rapidez. E a maior mudança que vem acontecendo é a econômica. Talvez, de alguma maneira, as mudanças têm sido muito boas para muitas pessoas. Pense no caso da China. Há centenas de milhares de pessoas que agora estão vivendo muito melhor do que seus pais e avós jamais imaginaram. Em parte, também, porque a economia se abriu na China. Agora fazem parte da Organização Mundial do Comércio; tornaram-se um hub de manufatura para o mundo. Então é uma coisa positiva, temos que ver isso como uma coisa positiva para a Humanidade toda. Por outro lado, isso também significou que os fabricantes nas cidades americanas, talvez até no Brasil, de repente, se confrontaram com uma concorrência jamais vista antes. Embora o comércio entre EUA e China talvez tenha beneficiado muitos de nós nos Estados Unidos porque causou uma queda de preço, fazendo com que a produção seja mais eficiente, também provocou uma devastação em algumas comunidades locais de forma que talvez nunca venham a se recuperar. Fez com que as pessoas sentissem que os arranjos econômicos e comerciais existentes não fossem mais bons para eles, fazendo com que fosse mais difícil para eles se imaginarem que seus filhos tivessem a possibilidade de ascender nessa cadeia produtiva, talvez fossem até cair um pouco nessa cadeia. E isso vem acontecendo pelas economias avançadas mundo afora.

Isso ainda vai se acelerar ainda mais nos próximos anos, por causa da Inteligência Artificial, por exemplo, ou o poder dos dados e da digitalização para eliminar, às vezes, empregos intermediários ou qualquer emprego que pudesse ser duplicado, incluindo até alguns que tradicionalmente têm sido vistos como altamente habilitados, como radiologistas etc. Essas funções, às vezes, poderão ser substituídas, e isso significa que poderá haver um pânico ainda mais crescente com relação ao ritmo com que as coisas acontecem. E tudo isso, às vezes, se choca, e existe uma reação. Muitas vezes, essa reação se baseia num nacionalismo bastante rudimentado ou solidariedade racial ou xenofobia ou conflitos entre nações. E nosso objetivo tem que ser duas coisas: primeiro, garantir que as pessoas sintam que, nessa nova economia, ainda possam ter sucesso. Precisarão de novas habilidades, então, precisaremos investir em educação. Precisaremos de novas cadeias de proteção. Se você trabalha numa economia de serviços, precisa saber que poderá ter um bom desempenho mesmo quando comparado àqueles que tinham numa linha de montagem. Temos que garantir que nosso sistema de pensões ou benefícios na área de assistência médica, pelos quais venho lutando nos Estados Unidos por muito tempo, para que todos tenham um bom sistema de assistência médica mesmo que percam seus empregos. Então, quanto mais pudermos fazer essas coisas para atenuar essas transições, menos apeladoras serão essas tendências.

Se não fizermos nada, as coisas poderão acelerar-se ainda mais. Fato é que não sabemos onde isso irá nos levar. Quando você começa a ter países ou povos dizendo “somos melhores que outros povos” ou “aquela pessoa é a razão dos nossos problemas”, é aí que você encontra o conflito. Se você começa a observar isso nas nações altamente desenvolvidas, com o poderio militar que elas têm, os resultados podem ser devastadores.

Frederic Kachar: O senhor mencionou na sua apresentação a baixa participação do povo americano nas eleições e parece ser algo comum em muitos países. Ainda falando sobre a globalização, o lado político e todos esses desafios, nós enfrentamos, até aqui no Brasil, o fato de partidos estabelecidos estarem perdendo a confiança do povo. A política é algo em que as pessoas não querem mais se envolver. Estão cansadas de tantos escândalos. Qual seria, a seu ver, o melhor caminho para nos recuperarmos, podermos novamente engajar as pessoas na política e nas eleições?

Barack Obama: Como eu disse antes, a democracia não é fácil. Pode ser frustrante, vagarosa, os políticos são humanos, ou seja, têm suas falhas e cometem erros. Mas eu acho que nós conhecemos a receita de como criar uma cultura cívica e uma democracia saudáveis. Primeiro, o princípio do império da lei diz que seus líderes políticos trabalham para você, não de outra forma. Isso significa que existe um sistema de pesos e contrapesos para garantir que se os políticos estão enriquecendo à custa do povo, se há corrupção, se há favorecimento que não seja transparente, beneficiando grupos, pessoas ou empresas, eles têm que ser responsáveis e responsabilizados.

Países que são bem-sucedidos têm um Estado de Direito forte. Não quer dizer que tenham políticos perfeitos, mas têm um sistema que pode ajeitar essas falhas dos políticos. Poderes que não são tão concentrados em um único lugar. E eu continuo acreditando que isso seja verdade.

E o segundo ponto que temos que reconhecer é que, para que a política funcione tem que haver comprometimento. Eu falei disso antes. Um dos perigos que tenho visto nos EUA, talvez esteja acontecendo aqui também, é que estamos perdendo o arcabouço comum em relação aos nossos debates e em como seguir adiante. Nos EUA, havia três emissoras de televisão, então não importava se você fosse rico, pobre, morasse na cidade ou no campo, você assistia ao Walter Cronkite (âncora da CBS nas décadas de 1960 e 1970). Eles apresentavam o que estava acontecendo no mundo. Então, as pessoas tinham ao menos uma forma comum de pensar sobre os problemas, mesmo que não chegassem a um acordo. Hoje, nos EUA, temos a Fox News e o “New York Times”. Se você assiste à Fox News, o seu mundo é totalmente diferente, o que você vê, o que você acredita, aquilo que você pensa, os seus fatos, não há conexão com o que veria no “New York Times”. Eu leio o “New York Times”, então sou um pouco tendencioso. Mas o que é verdade é que se eu assistisse à Fox News nem eu votaria em mim, porque eu não me reconheço como este cara.

E de alguma forma, está ficando pior por causa da internet. Existe um fenômeno, vocês leram sobre isso, das notícias falsas que foram distribuídas nessa última eleição. E por que foi tão poderoso? Alguém que já não gostava da Hillary Clinton, se lesse algum rumor, algum boato sobre ela no Facebook, o republicava e isso era lido por outras pessoas. Ou seja, não havia informação penetrando aquela rede de pessoas que poderia contestar o que era falso.

Então, acho que um dos desafios que teremos será encontrar formas para unir as pessoas. Não para que concordem em relação a tudo, mas que concordem sobre o problema. Vou dar um exemplo que já mencionei antes, as mudanças climáticas. Eu não me importo se você quiser discutir comigo dizendo que não é possível fazer nada, que temos que nos adaptar; ou se disser que a melhor forma de combatê-las é com soluções baseadas no mercado, sem regulamentações do governo. Tudo bem, eu não me importo discutir isso, mas o que eu não quero é ter um debate dizendo que isso não está acontecendo no planeta. Porque eu tenho 99,9% dos cientistas que lidam com isso todo dia, trabalham com isso, dizendo que existe o aquecimento global. Você não pode argumentar com os fatos. Então, temos que concordar em relação aos fatos e depois debater e ver como lidar com essa realidade.

Temos que encontrar formas melhores, tanto na mídia como nas nossas comunidades. Estabelecer essa estrutura comum. O último ponto em relação à política: eu acredito que a gente precisa envolver os jovens cada vez mais cedo no que está acontecendo nas nossas comunidades. Eu acredito que a política sofre quando as mesmas pessoas continuam no poder por muitos e muitos anos, sem sangue novo, novas ideias. Então elas ficam cada vez mais entrincheiradas. As pessoas me perguntam, por exemplo, “você gostaria de ainda ser presidente”? E eu digo: se eu ainda fosse presidente, a Michelle não estaria mais comigo. Acho que foram oito anos e pronto.

Apesar de fortes desacordos com a pessoa que me substituiu, eu acredito que se você ficar no poder por muito tempo, mesmo que com as melhores das intenções, você se torna obsoleto. E com o tempo você não fará o que é melhor para o país, e o país vai sofrer. Então, às vezes eu vejo no Congresso americano pessoas que estão lá há 20, 30, 40 anos. E porque ainda estão lá, acabam sendo obstáculo para pessoas de 25, 35 anos que poderiam ser mais inovadoras e criativas para superar os problemas que temos hoje, não os que tínhamos há 30 anos. É por isso que passo muito tempo pensando em como envolver os jovens desde cedo, pensando num mundo melhor. Para que eles reconheçam que o mundo não precisa ser desta forma. Está nessa forma porque as pessoas o fizeram dessa forma. E eles têm a força para mudar isso.

Frederic Kachar: Estou muito feliz em saber do seu engajamento com os jovens líderes no Brasil. Realmente é um desafio para nós esta renovação de políticos. Mas gostaria de voltar agora para o tema da educação e começar mencionando algumas citações de uma palestra que o senhor fez na Geórgia há alguns anos: “Vamos fazer aquilo que funciona e garantir que nenhuma das nossas crianças comece essa corrida da vida já para trás”. Qual mensagem o senhor gostaria de dar aos líderes públicos e privados em relação ao desenvolvimento já na infância e, citando o senhor, renovar os líderes políticos?

Barack Obama: Eu acho que a primeira coisa a ser entendida é que, na economia de hoje, os países vão fracassar ou serem bem-sucedidos de acordo com o nível de treinamento do seu povo. Se a população for de pensadores críticos, tiver capacidades básicas e puder se comunicar bem e trabalhar como equipe, o país será bem-sucedido. Mesmo que nao tenha recursos naturais, não importa, esse país vai se dar melhor. Vamos pegar um país como Cingapura: é um país muito pequeno, não há nada lá, mas o seu povo é extraordinariamente bem educado e instruído. Como consequência, o país acaba sendo bem-sucedido. Não deveria dar nome de país com recursos naturais que não está se dando tão bem por não ter investido na educação, mas podemos até pensar em exemplos pelo mundo afora.

Se estou aconselhando qualquer nação, então, o primeiro trabalho é garantir que esteja estabelecendo um sistema educacional que seja universal, que busque alcançar toda criança e que seja adaptado às realidades de uma economia em rápida evolução tecnológica. Isso começa desde cedo. Sabemos, na ciência, que, se você trabalha com crianças, mesmo que seja na favela mais pobre do Brasil, e consegue alcançá-las aos 2 ou 3 anos, dá a elas o conhecimento básico necessário ao sucesso. Esse investimento faz com que elas possam acompanhar as crianças mais ricas e continuar a se dar bem neste sistema educacional. Mas, para muitas crianças pobres, tanto nos EUA como no Brasil, mesmo que elas possam ir à escola, porque tem 5 ou 6 anos, elas já perderam tanto. Coisas simples, como por exemplo, elas talvez não saibam ouvir tanto vocabulário naqueles anos iniciais, quando seu cérebro é uma esponja. Quando chegam ao primeiro ano, já estão para trás. Então há coisas que cada país pode fazer e são investimentos inteligentes. Quanto mais cedo você investir, melhor o resultado.

Farei um último comentário, porque acho que é importante para todos nós: você não pode ser bem-sucedido na economia atual se está liderando metade da sua equipe fora do campo. Países que não educam mulheres e crianças no mesmo ritmo que os homens não terão sucesso, porque metade do seu país vai ser deixado para trás. Se você deixa pessoas de afrodescendência para fora deste processo, nunca será bem-sucedido. Porque é um talento que está sendo desperdiçado. Você não faria isso com o seu time de futebol, né? Você não diria: “ah, sabe o que é? Vamos ter um programa de treinamento muito bom para os jogadores de pele mais clara e outro não tão bom para os de pele mais escura”. Você não vai ganhar a Copa do Mundo assim! Então por que pensamos diferente sobre a educação? Porque pensaríamos diferente sobre os investimentos em crianças? Não faz sentido. Isso volta àquele pensamento tribal e às hierarquias que herdamos em cada um dos nossos país. Agora é hora de superar isso. E superar isso requer esforço, não acontece naturalmente. Porque o legado dessa História é transferido de geração a geração e, se você quer resolver isso, investimentos maiores e nas crianças é a melhor forma de fazer isso.

Frederic Kachar: O nosso público hoje aqui reúne muitos líderes do setor privado, alguns políticos, mas o que eu gostaria de ouvir do senhor é… enfrentando tantos desafios na educação, no clima, na crença na política, qual o senhor acha que é o papel da sociedade civil? Como os líderes do setor privado poderiam acelerar essa transformação necessária?

Barack Obama: Excelente pergunta. Em muitos países ao redor do mundo, as pessoas dizem “eu odeio política, odeio políticos, odeio o governo”, mas a verdade é que o governo e os políticos são um reflexo de todos nós. Se uma sociedade é saudável, se as instituições cívicas são saudáveis, a política também o será. E, se a sociedade está danificada de alguma forma, isso também estará refletido na política. Como consequência, uma das coisas que eu sempre tento incentivar é que as pessoas se envolvam no que acontece em seus bairros e em seus locais de trabalho antes que o governo se envolva. O governo é, sim, essencial para resolver grandes problemas como mitigação da pobreza e estabelecimento de sistemas educacionais, mas nada vai mudar se em uma comunidade local as pessoas não se encontrarem, estabelecerem relações de confiança umas com as outras e aprenderem a trabalhar juntas. Isso vai se refletir na política e na maneira como ela é feita.

Eu acho que as empresas também têm um grande papel a desempenhar. Há empresas nos Estados Unidos que são o que chamamos de cidadãos corporativos. Elas incentivam seus funcionários a serem voluntários em suas comunidades, a contribuírem com caridade, a atuarem em escolas locais como mentores de crianças pobres e ajudar a instruí-los. Algumas empresas dão um passo além e decidem reduzir o uso de energia para que elas façam parte da solução, e não do problema das mudanças climáticas. Elas garantem que, no dia da eleição, os funcionários tenham tempo para votar sem serem penalizados. Existem coisas que as empresas podem fazer para encorajar essa participação cívica que eu acho tão importante. E instituições religiosas podem fazer parte disso. A existência de clubes na vizinhança, de locais de esporte… tudo isso acaba construindo uma conexão. Um dos erros que cometemos é achar que a política deve unir a todos, quando, na verdade, na base, estão todos separados. Ou seja, é um ônus muito grande para a política.

Temos que garantir que estamos construindo um senso de comunidade, porque aí as pessoas vão saber e sentir que elas se conhecem, e a política vai funcionar de uma forma melhor. Cada um pode desempenhar um papel nesse processo. Uma das coisas que vamos fazer quando eu voltar para casa, e este é um dos estágios iniciais da nossa fundação, é ir para cidades e bairros distintos e escolher cem jovens de 15, 16, 18 anos, nos sentarmos com eles e perguntar “O que vocês querem mudar nas cidades?”. Eles podem passar duas horas trabalhando juntos, debatendo, pensando como melhorar a cidade, e depois podemos mostrar a eles como podem criar projetos que façam a diferença, mesmo que tenham pouca idade. Se estamos treinando jovens para pensar dessa forma, com o tempo a política vai melhorando.

Frederic Kachar: Então, vamos falar um pouco sobre mídia. O senhor já mencionou suas preferências. Como o senhor sabe, nós vivemos numa sociedade digital. Às vezes, observando as notícias: 60% de cada novo dólar gasto em publicidade digital vai para duas empresas, que se consideram de tecnologia. Essa concentração é sem precedentes. E nós já observamos que um dos aspectos do seu crescimento é para dar acesso livre, especialmente em países mais pobres, para que as pessoas tenham acesso ao mundo digital. E o senhor também mencionou algumas vezes que as redes sociais podem ser desafiadoras para a população em geral, através de notícias falsas. Como acha que essa situação deveria ser abordada? Pois é uma situação também de negócios. Não existe comparação com outra época de nossa história para esta concentração.

Barack Obama: Gostaria de ressaltar alguns pontos. Número 1: toda vez que surge uma nova tecnologia de informação ou uma nova mídia, leva um tempo até que a sociedade consiga absorver e processar e entender a natureza e o poder dessa tecnologia e também para extrair seus benefícios para o bem. Isso é verdade para a imprensa escrita, rádio e televisão. Também cria alguns perigos toda vez que há uma nova tecnologia da informação, porque, em cada fase, as ideias são amplificadas e enviadas para o mundo de uma maneira muito mais poderosa agora do que no passado. E isso vale para boas ideias e também para ideias bem ruins e destrutivas. E estamos passando agora por um destes momentos. O segundo ponto é que a concentração da mídia não é algo singular dos dias de hoje.

Nos Estados Unidos, por exemplo, como já mencionei anteriormente, antigamente só havia três emissoras de televisão. Houve até um certo acordo entre as elites que administram essas emissoras sobre o que é apropriado e como poderiam conduzir seus negócios. Houve algumas leis nos Estados Unidos que garantiam que um ponto de vista era apresentado, mas o outro ponto de vista também tinha que se apresentado. Ainda assim, era um sistema bem fechado porque basicamente estavam exercendo seu poder de monopólio. Portanto, o problema da concentração do poder da mídia não é singular do dia de hoje. O terceiro ponto que gostaria de destacar é que esses sistemas são extremamente poderosos, mas não são inerentemente conservadores ou liberais. E o problema que vejo surgindo não são as plataformas em si, mas o modo como essas plataformas operam para acelerar o tipo de divisões de informações como nós falamos antes. Aquele efeito de silo que às vezes ocorre.

Não tenho uma resposta perfeita que possa resolver este problema. Na verdade, acredito que o que não funcionaria, que seria mais perigoso, seria se os governos começassem a censurar ou restringir ou determinar que tipo de informação deve fluir pela internet. É a direção errada a seguir, precisamente porque, uma vez que você combina o poder do Estado, seu poder militar, de polícia e de informação, então, você tem o início de uma tirania ao longo do tempo e da perda da liberdade dos povos e da verdade porque, certamente, as ideias não poderiam fluir livremente no mercado. Portanto, acho que a censura não seria a resposta, mas realmente acredito que seria legítimo tentar encorajar a concorrência no espaço da mídia. Sejam com as regras antigas que existiam, como antitruste que existem em países como nos Estados Unidos, ou se precisarmos fazer novas regras, é preciso garantir que haverá espaço para novas tecnologias e informações. E isso é algo que terá que ser determinado.

Também acho que será importante garantir que as comunidades online que estão sendo formadas também saiam para o offline. Sempre digo para minhas filhas, que estão toda hora no telefone mandando mensagens de texto: Por que não vão encontrar pessoalmente seus amigos? Falem com eles, face a face. Porque a experiência de você estar com as pessoas é diferente de estar através de um texto. Acho que o que vale para minhas filhas vale também para adultos, comunidades e pessoas. Tentar encontrar maneiras para não estarmos sempre encurralados pela mídia ou limitados. É importante participarmos de comunidades de discussões e isso vai ser muito importante. Uma das coisas que vou tentar fazer com nossa Fundação (Obama) é tentar criar um laboratório onde poderemos testar ideias para ver como conseguimos quebrar essas tendências de isolamento dessa nova mídia. E como poderemos encorajar um pensamento mais crítico sobre aquilo que as pessoas estão lendo através da internet. E como podemos trazer pessoas com pontos de vista diferentes para dialogar, não apenas com insultos, mas sim num diálogo genuíno. Temos que experimentar diversos modelos para ver como podemos resolver alguns problemas que você mencionou.

Frederic Kachar: O senhor acabou de falar sobre a sua fundação. Tenho aqui outra pergunta: o senhor decidiu focar em um nível mais micro na sua fundação, ao invés de uma abordagem mais macro para as comunidades. Por quê?

Barack Obama: Aqui vai o que aprendi como presidente dos Estados Unidos: você tem uma boa posição para ver o que acontece no mundo. Como presidente, tem uma boa visão. A maioria dos problemas que temos, seja em EUA, Brasil, Nigéria, Vietnã, Alemanha ou em qualquer lugar, a maioria dos problemas não é porque não sabemos o que fazer tecnicamente ou porque não tenhamos uma solução. Geralmente, o problema que enfrentamos é que nossas políticas, arranjos sociais e interações nos impedem de implementar o que precisamos fazer. Posso lhe dizer agora mesmo a razão de não podermos aumentar a produtividade agrícola nas áreas subsaarianas em quatro vezes para alimentar a população que está ali. A razão não é porque não temos as sementes, a tecnologia, as ferramentas ou os métodos certos, mas sim porque é muito difícil plantar se as pessoas estão matando umas as outras.

Para resolvermos um problema tão vasto quanto as mudanças climáticas totalmente, teremos que inventar fontes de energia com baixa ou zero emissão de carbono. E mesmo com as tecnologias energéticas que temos hoje, neste momento mesmo, poderíamos provavelmente eliminar 30% das emissões de gases estufas sem qualquer impacto nos nossos padrões de vida, progresso econômico ou desenvolvimento. Não fazemos isso porque a política nos bloqueia ou por causa da opinião pública, que não sabe o tamanho da ameaça das mudanças climáticas. Digo isso porque defini que o melhor que posso fazer é trabalhar sobre questões individuais e emprestar minha voz aos esforços que tentam resolver muitos dos problemas que temos hoje. Mas eu acho que o que terá efeito mais duradouro será, ao invés de eu mesmo fazer, treinar centenas de milhares de jovens do mundo todo, que poderão dar voz aos problemas; trabalhar em colaboração através das barreiras de idioma, nacionalidade ou raça; usar a mídia de maneiras positivas; organizar suas comunidades; e envolver as pessoas. Porque, se fizer isso, tenho certeza que vamos conseguir achar soluções. Senão, teremos problemas. E o modo de treinar jovens e torná-los líderes é começar a nível local, não aqui em cima, mas sim começando em bairros, cidades e comunidades.

Frederic Kachar: Infelizmente, estamos chegando à nossa última pergunta. Infelizmente para nós, pois gostaríamos de tê-lo o dia todo. Autocrítica e auto-avaliação são essenciais para qualquer pessoa, projeto ou empresa. O senhor poderia nos dar um exemplo que sua gestão realizou e de que o senhor se orgulha muito? E talvez um exemplo que o senhor geralmente acredita que poderia ter feito melhor ou desejaria não ter feito?

Barack Obama: Há muitas coisas que realizamos e me deixaram muito orgulhoso. Nos Estados Unidos, internamente, talvez a maior satisfação veio da aprovação da reforma da saúde nos Estados Unidos: 20 milhões de pessoas tiveram acesso à saúde, e não tinham antes. Eu recebia muitas cartas das famílias me dizendo: “Meu filho estava doente. Se não fosse por essa lei, ele talvez tivesse morrido”. Para você, saber que teria um impacto dessa magnitude na vida das pessoas é algo muito poderoso. E, muito embora continue a gerar muita controvérsia nos Estados Unidos e tenha funcionado como deveria ter, porque nenhuma das previsões de desastre que meus amigos do outro lado político se concretizou. Apenas por saber que, uma vez que você consegue criar um programa que entrega um progresso social, mesmo que não seja perfeito com tudo que você quer, é uma base para que se construa depois uma mudança mais drástica, mais duradoura. E isso me enche de orgulho.

Internacionalmente, me orgulho da parte que fizemos no acordo nuclear com o Irã. Quando eu assumi, e parte da razão disso vir na hora certa é porque, honestamente, quando assumi a presidência, já era tarde demais com a Coreia do Norte em algum sentido, porque já tinham armas nucleares e construíram uma infraestrutura em cima disso. O Irã, com quem os Estados Unidos têm muitas diferenças, é, na verdade, um país que muitas vezes exportou problemas para outras partes da região e do mundo. O governo iraniano não é um amigo consistente, mas muitas vezes nosso adversário. Mesmo assim, enxerguei ali uma oportunidade para resolver um problema, estreito, que era garantir que eles não desenvolvessem armas nucleares. Se aplicássemos pressão econômica suficiente, mas também déssemos incentivo para negociar, talvez conseguiríamos resolver sem recorrer à força militar. E isso levou sete, oito anos para acontecer. Mas tivemos êxito e, como consequência, não estamos seguindo o caminho da Coreia do Norte. Ainda temos muitas diferenças com o Irã, tensões entre as duas nações, mas aquele problema em particular foi resolvido sem um disparo de tiro.

Isso mostra como é importante ter uma forte diplomacia, mesmo com os seus mais ferozes adversários. E em termos de arrependimentos, eu lamento não ter começado a tingir o cabelo, mas agora está tarde demais. Acho que meu maior arrependimento é não ter podido unir as diferenças que estavam emergindo em nossa política tanto quanto quis. E isso, em parte, foi porque assumi o cargo durante uma crise econômica muito ruim. E as pessoas estavam assustadas. Ainda que tenhamos respondido com êxito e conseguido evitar o que poderia ter sido uma depressão profunda, e não apenas uma recessão, aconteceu lentamente o suficiente, as pessoas estavam frustradas e foram para dois cantos diferentes. Raiva na nossa política foi o que aconteceu. E em vez de conseguir resolver esse problema, parece que aumentou.

Tento ser uma pessoa calma — você nunca me viu gritando, pelo menos não em público —, mas acho que é justo dizer que, quando deixei a presidência, aquela esperança que eu tinha de unir as pessoas através das diferenças foi algo que lamento não ter conseguido fazer, não tive êxito. Mas a boa notícia é que não são só os presidentes que contribuem para esse trabalho. Todos nós podemos contribuir. Ex-presidentes podem contribuir para este trabalho, então espero ter mais uns 20, 30 anos para continuar esse trabalho para ver se conseguimos levar essa mensagem de esperança não apenas para os povos dentro dos Estados Unidos, mas os povos das Américas e do mundo todo.

Frederic Kachar: Tenho certeza de que está contribuindo. Muito obrigado mais uma vez. Espero vê-lo novamente no Brasi em breve.

Barack Obama: Obrigado.

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