RIO – A multa imposta à Google pela Comissão Europeia é emblemática não só pelo valor bilionário mas, também, pelos desdobramentos que deve ter sobre outras investigações antitruste e por seu impacto provável no ecossistema de empresas de tecnologia.
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— O impacto econômico não é desprezível e não se esgota no valor da multa. Enquanto recorre, a Google vai ter de adequar sua oferta do Google Shopping às novas regras, o que levará a um acompanhamento direto do regulador — disse Carlos Affonso Souza, diretor no Instituto de Tecnologia & Sociedade (ITS). — O Shopping não é nem de longe a principal aplicação da empresa. Logo, a decisão parece muito mais um ensaio para outros processos que possam ser feitos, como em um segmento ainda mais importante, o do sistema Android. Se for esse o caso, o impacto sobre o futuro do desenvolvimento de ferramentas de busca pode ser muito relevante.
Segundo o especialista, isso é especialmente importante em um momento em que a tecnologia de busca passa por transformações, oferecendo cada vez mais serviços de pesquisas por voz e aprimorando sua inteligência artificial.
— Essa multa pode ter um caráter inibidor sobre práticas desleais. É importante que a UE mantenha essa conduta e que outros países repliquem sua análise criteriosa, para que se possa restabelecer o equilíbrio nesse mercado. Temos visto cada vez mais uma posição dominante exercida por poucas empresas — afirmou Renato Opice Blum, professor do cuso de direito digital do Insper e sócio do escritório especializado Opice Blum.
Segundo o advogado, não é válido o argumento recorrente de que, apesar de ser o buscador preferido dos internautas, a Google não é a única e, portanto, os usuários estão livres para usar os serviços concorrentes.
— O problema é que os serviços da Google acabaram se tornando, dada sua excelência, uma espécie de utilidade pública. A velocidade com que esse tipo de tecnologia se instala de maneira dominante dificulta o terreno para serviços concorrentes. Por isso, o regulador precisa agir, mostrando que essa posição deve ser exercida com certo cuidado — disse o advogado.
Souza observa que as multas da Comissão sobre empresas de tecnologia americanas têm levantado a suspeita de direcionamento de político-econômico nas investigações. Blum discorda e diz que a análise é técnica. Mas críticos argumentam que a comissária da Concorrência, Margrethe Vestager, age como uma inimiga do Vale do Silício, com o objetivo de prejudicar companhias americanas e privilegiar competidores de origem europeia.
— O problema desse argumento é que as empresas americanas representam uma verdadeira cesta básica de aplicações que usamos na internet. Facebook, Google e Amazon são todas empresas americanas. É natural que elas estejam na mira — disse o diretor do ITS.
De acordo com Souza, um dos principais problemas da decisão tomada pela comissão é que ela reforma a tendência de fragmentação da oferta de serviços digitais.
— Essa decisão só vale para os usuários da Europa, assim como aconteceu com o chamado direito ao esquecimento. Medidas como essa implicam uma fragmentação em serviços prestados por empresas globais, pois elas precisam se adequar às regras de países e regiões específicos. O problema é que isso dá margem, por exemplo, para decisões de países de perfil não democrático e com o objetivo de restringir a liberdade de expressão — disse o especialista.
Segundo Blum, a fragmentação também prejudica o desenvolvimento de novas empresas de tecnologia, já que oferecer serviços diferentes em cada região implica custos. Isso seria negativo para a livre concorrência — justamente aquilo que a Comissão Europeia deseja proteger.
OGlobo