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Mesmo com a lei de cotas, pessoas com deficiência ainda enfrentam dificuldades no mercado


Funcionário da Michelin, Maurício Azevedo prosperou na carreira – Camilla Maia / Agência O Globo

RIO – Quando discussões sobre a contratação de Pessoas com deficiência pelas empresas vêm à tona, um embate inevitável se forma entre contratantes e trabalhadores. De um lado, as companhias alegam dificuldade em encontrar mão de obra qualificada até mesmo para cumprir a lei federal que obriga companhias com cem ou mais funcionários a preencherem de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. Por outro, profissionais e entidades dedicadas ao tema garantem que o empenho dos gestores em integrar esse público aos seus quadros ainda está muito longe de ser satisfatório.

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Um levantamento feito pela consultoria com foco em inclusão I.Social, no ano passado, avaliou essa realidade a partir da percepção de 1.459 profissionais de recursos humanos. Os resultados mostraram que, apesar do conhecimento da lei, a falta de interesse ainda é um forte obstáculo: 86% das companhias pesquisadas contratam somente para cumprir a cota. O levantamento apurou ainda que, em relação à qualidade das vagas, os entrevistados consideram a maioria das oportunidades regulares (60%) ou ruins (16%).

— Fazemos essa pesquisa anualmente desde 2014 e, quando comparamos os resultados, percebemos que pouca coisa mudou entre os tópicos mais relevantes neste período — afirma o sócio-diretor da I.Social, Jaques Haber. — A maioria dos contratantes ainda enxerga as pessoas com deficiência como um custo, e não como um investimento. Então, tudo é nivelado por baixo e a qualidade das vagas é inferior. Temos um banco de currículos muito bom e notamos que, além da dificuldade em encontrar emprego, também é complicado conseguir um posto condizente com o nível de qualificação dos profissionais.

OPORTUNIDADES SELETIVAS

Se a lei de cotas é um marco inquestionável dentro desta discussão, Haber destaca que o texto ainda funciona melhor para um grupo seleto de pessoas.

— É muito comum as empresas buscarem trabalhadores com deficiências consideradas mais leves, que não impliquem em grandes modificações de infraestrutura — observa ele.

O grupo de profissionais com deficiência intelectual é um dos mais negligenciados. O Instituto Mano Down tem entre as atividades a inserção de pessoas com síndrome de Down no mercado de trabalho e esbarra cotidianamente neste bloqueio. Como relata o presidente da entidade, Leonardo Gontijo, o preconceito é escancarado nas solicitações de algumas companhias.

— Já nos procuraram pedindo um profissional para constar no quadro de funcionários em função do cumprimento da lei, mas que não precisaria ir trabalhar. E houve solicitações em que eram requisitadas pessoas com um “grau menor” de síndrome de Down, uma classificação que simplesmente não existe — conta ele.

A diretora de diversidade da Associação Brasileira de Recursos Humanos, Jorgete Lemos, defende que a transformação só acontece quando o exemplo parte da diretoria da companhia.

— Todos os problemas que tangem essa questão estão embasados em preconceito. E o que promove a mudança de valores numa empresa é a vontade política do dono. Não adianta ter um código de conduta ética dizendo que todos os funcionários são iguais, se isso não é realizado na prática — defende Jorgete.

A partir dessa observação, ela acrescenta que a questão também não costuma ser debatida em suas origens:

— Uma delas diz respeito ao meio acadêmico. Ainda são raros os cursos de especialização dedicados ao tema, assim como uma abordagem aprofundada do assunto em cursos de graduação de Administração, por exemplo.

Na opinião dela, somente criticar as empresas tampouco ajuda. É mais importante reconhecer aquelas que agem da maneira correta.

— Dar visibilidade e premiar organizações que sejam um bom exemplo é um ótimo incentivo. Esse tipo de atitude causa um efeito multiplicador — conclui ela.

O integrante do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência Andrei Bastos também defende um olhar mais amplo sobre a questão.

— Se as empresas ainda não têm essa consciência, a culpa é de todo um esquema que passa pela falta de acessibilidade na própria cidade. Já vi um cadeirante que morava em Campo Grande pedir demissão porque não conseguia ser pontual em função da falta de transporte adequado — exemplifica ele. — Também precisamos lembrar que a dificuldade começa lá na educação infantil, que é onde deveria estar o início da construção dessa cultura da inclusão, o que muitas vezes não acontece. Isso já melhorou muito. Mas ainda vai demorar até que possamos perceber essas mudanças.

De todo modo, as empresas que querem fazer parte dessa mudança podem agir o quanto antes. O sucesso vai depender da qualidade do trabalho executado. Como defende Jorgete, além das intervenções de acessibilidade, é preciso treinar as equipes e capacitar os profissionais com deficiência para que sejam todos colocados no mesmo patamar.

A Allianz Worldwide Partners, empresa de seguro de viagens, investiu em seis meses de trabalho, envolvendo treinamentos e capacitação de gestores, para que pudesse receber da maneira mais adequada os profissionais com deficiência. Logo após essas ações, o número de empregados com este perfil na companhia passou de oito para 38. A meta agora é elevar a marca para 97 até o fim deste ano, fazendo com que a empresa atenda plenamente à lei de cotas. Mas a diretora de RH da empresa, Luciana Montuanelli, espera que as contratações não estacionem no cumprimento da norma.

— O impacto dessas pessoas no clima interno é fantástico. É muito comum os funcionários declinarem diante de alguma dificuldade no trabalho. Mas quando temos uma equipe como esta, as pessoas começam a entender como dificuldades muito maiores podem ser superadas e reveem suas posturas — analisa ela.

APRIMORAMENTO E CAPACITAÇÃO

A consultora de inclusão de profissionais com deficiência Tabata Contri, que atua na Talento Incluir, acrescenta que os empregadores também precisam atuar no aprimoramento dessa força de trabalho.

— O número de pessoas com deficiência na universidade aumentou 500% entre 2004 e 2014. Isso já é uma resposta às demandas das empresas. Mas as organizações também precisam entender que nem sempre a pessoa está 100% pronta e podem se flexibilizar neste aspecto — salienta ela.

A líder em diversidade e inclusão da IBM, Eliane Ranieri, concorda. E como ela lembra, muitos profissionais com deficiência ainda não tiveram oportunidade de ter seu primeiro emprego.

— O ideal é estar aberto a talentos com potencial de crescimento e o conhecimento básico requerido pela empresa, possibilitando que essas pessoas se desenvolvam no próprio trabalho. Outra opção é a empresa promover programas de capacitação e contratar aqueles que tiverem os melhores resultados — sugere Eliane.

Tida como referência na absorção de pessoas com deficiência no quadro de funcionários, a Serasa Experian está finalizando o terceiro de três novos prédios em São Carlos (SP), cujos investimentos em acessibilidade somam cerca de R$ 180 mil.

— Temos elevador adaptado até para chegar à academia — destaca a gerente de sustentabilidade corporativa, Andréa Regina.

As adequações incluem roletas especiais para usuários de cadeiras de rodas e interruptores de luz, relógios de ponto, alarmes e bebedouros ao alcance de cadeirantes e pessoas com nanismo. Segundo Regina, também há um investimento constante em tecnologias assistivas. As pessoas com deficiência visual, por exemplo, têm software leitor de tela instalado nos computadores e impressora em braille e alto relevo.

— Essa cultura começou a ser estabelecida dentro da empresa há muitos, com um profissional que, infelizmente, já morreu. Era o João Ribas, que atuava como coordenador de diversidade. Ele tinha deficiência física e era professor universitário. Então, trouxe todo o seu conhecimento para a companhia, difundindo essa cultura, que foi abraçada pela diretoria — relembra Andréa. — Hoje não trabalhamos para cumprir cota. Em São Carlos, por exemplo, as pessoas com deficiência já são mais de 6% do quadro.

OPORTUNIDADE E SUCESSO

Analista de Processos de Compras da Michelin, Maurício Azevedo teve paralisia infantil e está há dez anos na companhia. Ele conta que nunca deixou de estudar e não teve dificuldade para chegar ao mercado de trabalho.

— Entrei em uma vaga no serviço de atendimento às revendas e há nove anos estou no departamento de compras, onde a minha carreira tem evoluído — diz ele, reconhecendo que o quadro geral ainda precisa melhorar muito. — As empresas devem se preocupar não só com a contratação, mas também com a qualificação das pessoas com deficiência. Esse é o engajamento necessário para a inclusão.

Ana Almeida tem nanismo e há seis anos trabalha na consultoria EY, onde começou como assistente de RH e hoje é analista. Com apoio da família e acesso à boa formação, ela está no mercado de trabalho desde que se formou. Não foi difícil conquistar uma vaga, mas, aos 28 anos, ela sabe que representa um ponto fora da curva.

— Cursei 12 anos de inglês e, além da faculdade, fiz uma pós-graduação. Meu mérito se deve a esta raiz — reflete ela. — Ter todo este aparato, inclusive, me proporcionou ter uma boa estrutura psicológica para enfrentar todos os desafios. Isso mostra como é importante que as pessoas com deficiência tenham este apoio, o que muitas vezes não acontece. A educação ainda é atrasada e não há muita ajuda em termos de política. Isso precisa mudar.

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