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Lula preso e livre



No último sábado, o Brasil parou para acompanhar a prisão do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Não pretendo examinar juridicamente, pois não li os autos do processo e não sou especialista em Processo Penal, ao contrário de boa parte da militância que grita ausência de provas sem ler. Tudo que juridicamente posso afirmar: por não ter foro privilegiado e pelo Estatuto do Idoso (réu acima dos 70 anos de idade), Lula foi julgado com mais celeridade do que outros processados pela Operação Lava Jato. Se muito mais rápido, estão presos Paulo Maluf, Eduardo Cunha, assessores parlamentares, empreiteiros todos desvinculados ao PT. Não vejo perseguição ao partido, mas uma investigação policial que, nos últimos dias, alcançou Delfim Netto, indo cada vez mais no passado podre da política brasileira. 

Examinemos politicamente os fatos de sábado até hoje. Não por fake news, como os vídeos recortados e interrompidos por narradores anônimos afirmando que Lula estaria bêbado ou bebendo cachaça enquanto falava, sinais de desprezo pela política adulta por parte de quem divulgava os vídeos que nada comprovam.

Lula não se entregou na sexta-feira, como previa o mandado de prisão do juiz Sérgio Moro, proferido estranhamente em minutos após o despacho do TRF. Foi um gesto político, para mostrar que Ainda divergia, que se contrapunha ideologicamente àquele magistrado e que continuaria na batalha. Fez sentido apenas se entregar negociando com a Polícia Federal no dia seguinte.

Voltando ao ninho de sua biografia política em São Bernardo, Lula não se escondeu em casa para tentar apenas se entregar na segunda-feira, mas subiu em um palanque para discursar aos militantes sindicalistas e petistas que o cercavam. Mas não só isso. Aconteceu muito mais. Ele saudou como jovens lideranças em quem ele confiava Manuela Dávila, do PCdoB, e Guilherme Boulos, do PSOL. Apesar de cumprimentos a Fernando Haddad, do PT, não havia cumprimentos como políticos jovens promissores do próprio partido de Lula. Apenas gestos de despedida e gratidão para amigos e aliados de décadas.

Estavam naquele palanque representantes de partidos de esquerda, solidários a Lula. Não se trata de dizer que ele seja completamente inocente, mas da gratidão justa daqueles que tiveram em algum momento da própria história o ex-presidente como norte, inspiração, para as próprias carreiras. Lula é a maior liderança política da esquerda brasileira e um dos mais influentes políticos das Américas (The Man, dizia Obama). Nada mais justo do que ter um momento de derrota tão grande entre pessoas ideologicamente próximas. Curiosa para as próximas semanas e para as eleições desse ano foi a ausência de Ciro Gomes.

Hoje, uma comitiva de 11 governadores da base aliada foram a Curitiba visitar Lula preso. Diversos outros parlamentares acompanharam e muitos outros organizam agenda para fazer o mesmo. Logo, o palanque de Lula, ao contrário do que o senso comum de direita poderia resmungar, não foi uma palhaçada, exibicionismo, mas gesto simbólico mostrando o capital político de que ele ainda dispõe.

ADCs serão julgadas pelo STF e dois recursos no TRF, sem contar um no STJ. Logo, quando alguém afirma que o mandado de prisão pode ter sido precipitado, faz sentido, cabendo discordar ou concordar, mas o Direito não é ciência exata, flutua de acordo com os magistrados que julgam e passando por um STF que tem mudado de posição com uma velocidade grave para a sociedade brasileira. Gilmar Mendes antes defendia a prisão de Lula, votou contra. Rosa Weber afirmou que julgava contra as próprias convicções e que julgaria diferente futuramente. Luis Roberto Barroso falou que julgaria ouvindo o clamor social, seja lá o que isso signifique em um país dividido.

Muitas águas correrão. O PT propõe aproximação com PCdoB e PSOL e se mantém sem alternativas políticas a Lula. Preferem um candidato fazendo campanha da sala do Estado Maior que ocupa ou parecendo usar liberdade provisória para evitar pela eleição ser preso novamente. Há anos Lula tem sido um obtáculo para a renovação política do partido, com os mesmos nomes (cabeças brancas, diriam no PSDB) fazendo de tudo para permanecer no poder.

Voltando ao discurso. O ex-presidente aproveitou seu discurso para mostrar desprezo ao estudo, mais uma vez. Em seus discursos, isso é constante. Poderia ter falado sobre a expansão do ensino superior em seu governo, mas a menção a educação foi para falar que tudo que precisou aprender sobre Política e Sociologia aprendeu no chão da fábrica. Já fez isso muitas vezes antes. Fez acusações à imprensa, sendo aquele o dia da imprensa no calendário brasileiro e recebendo ampla cobertura nacional do seu discurso por todos os jornais. Antipático com a educação formal e a imprensa livre, duas palavras de ordem constantes quando foi presidente. 

Chamou de criminosos promotores, procuradores, delegados, menos ministros do STF, ainda aguarda recursos serem julgados. Afirmou que deixou de ser um homem para ser uma ideia. Para alguém que é um símbolo vivo para parte da esquerda brasileira, não é uma afirmação absurda. Líderes carismáticos são assim. Estranho apenas é ele mesmo afirmar isso, o autoelogio na política sempre soa arrogante. 

No dia da imprensa, o ex-presidente não pediu paz (diferente de Mandela preso) e provocou sobre a mídia assim como jornalistas da CBN, Estado de São Paulo, TV Cultura, Bandeirantes entre tantos outros órgãos de imprensa foram agredidos ou ameaçados. Para um político e seu partido que reclamam de pouca cobertura do que fazem, agredir os jornalistas mostra alguma contradição.

O que pode vir agora. A editora Boitempo manifestou-se de um modo inteligente, lançando um ebook gratuito sobre Lula no mesmo dia. O próprio falou sobre sua biografia, apresentando no palanque seu biógrafo. Eu não ficaria surpreso com cartas do cárcere sendo publicadas. A sucessão de visitas que receberá, a presidente do partido como sua porta-voz oficial fora das grades, a vigília militante ao redor da carceragem da Polícia Federal fazem com que esta prisão ainda não tenha começado, a voz dele continua solta.

Um ex-presidente preso, inocente ou culpado, é constrangedor. Parte da política brasileira não se manifestar, também. Muitos outros estarem a poucos passos de acompanhá-lo em celas vizinhas, é ainda pior. Um fascista que faz apologia ao estupro ser celebrado politicamente apenas porque ainda não foi condenado é ainda pior. No fim, identificar o que é pior é a grande dificuldade na comédia de erros e crimes da política brasileira. Para como consertar, para tentar encerrar um texto inconcluso sobre fatos em andamento, apenas lembrando Winston Churchill. Pois, se em um ano de eleições há tantos abalos em nossa  representatividade democrática, a única solução para os erros na democracia é mais democracia.


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