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Esquecemos o que é a fome no Brasil

Hoje eu quero falar sobre a Fome no brasil e a importância dos programas sociais para educação.

Esquecemos o que é a fome no Brasil

Estamos em 2018, e percebo que esquecemos o que é a fome e a miséria brasileira.

Talvez alguns afirmem que o motivo seja que nos últimos 15 anos esse número caiu em 10 vezes ou talvez digam que seja por essa geração não ter participado ou tido contato, mas lembro que mesmo 15 anos antes, quando a miséria atingia 18,1% da população brasileira, essa realidade não era distribuída nos canais de televisão e nem debatida nas comunidades sociais de classe média baixa e alta do país.

Tendo em vista, vou contar para vocês como a minha visão sobre a fome no Brasil foi construída, esperando assim gerar um pouco de empatia naqueles que não tiveram a oportunidade ou esqueceram do que já viram.

Como cheguei a conclusão que passar fome é algo sério:

Eu tinha 16 anos em 2007 e tinha acabado de engatar no meu primeiro namoro. Nas aulas era disperso e ficava entre as fantasias dos jogos de RPG e as intermináveis discussões de relacionamento de um namoro adolescente. Mas foi nessa data que em uma aula desafio de matemática o professor compartilhou uma matéria jornalista antiga, de 2001, que mostrava as condições dos pobres no Brasil e o alto índice de mortalidade. Era um morto a cada 5 minutos, mais de 1/6 da população naquelas condições.

Os depoimentos de Pessoas com fome no sertão e na favela, os cânticos das mulheres velando os filhos mortos por desnutrição, a mãe que dizia que farinha com água e tempero era nutritivo me marcaram. Ao mesmo tempo que resolvia questões de matemática com essa temática achando que era um sadismo e falta de sensibilidade tremendos, reconhecia impressionado o quanto aqueles números eram sérios e o debate importante para sociedade.

Quem vive na pobreza absoluta não tem parâmetros para saber o que é ótimo, mas sabe que não está bem nem bom como está.

Na época lembrei do contraste que comentei com minha mãe sobre as diferenças do Rio Grande do Sul, Natal e o Uruguai, para onde tinha viajado um ano antes e tive minhas primeiras experiências em presenciar racismo, as diferenças de infraestrutura e relações com pedintes, focando em principal em como o número era menor do sul para o norte, e bem menor no Uruguai. Ao ver o documentário relacionei todos aqueles pedintes com a fome, e me senti culpado por todo o ódio que sentia quando era abordado por eles, mas não tanto assim.

Em 2011 fiz a minha primeira viagem de longo prazo para fora do Brasil. Em Cardiff percebi que as pessoas falavam da fome no Brasil, América do Sul e África muito mais do que já tive a oportunidade de debater por aqui. Eram ingleses, galeses, alemães, franceses, árabes ricos e outros com curiosidades e que tinham na ponta da língua os resultados impressionantes do presidente da época, Lula, e diziam que a própria ONU deveria desenvolver uma campanha no estilo, mas eu não tinha uma opinião formada, afinal um documentário e a vida em centros nobres da cidade não permitem que você perceba a fome e a miséria. Lembro de dizer até agressivamente que o Brasil não era esse país de fome, e que ela existia apenas em alguns lugares.

Muitos dos números dados pelo governo Lula foram inflacionados é claro, mas que é fato que o brasil saiu, acelerado pela economia,  de 14,9 milhões de miseráveis em 2002 para 6,5 milhões em 2012, em um recorde de tempo, isso é.

Felizmente essa minha visão mudou um pouco mais entre 2012 e 2013, quando assumi em conjunto com Uitamar Jr. o Programa Ligados, na 87FM, Rádio Nova e comecei um curso de fotografia e vídeo na UFRN, com o objetivo era mostrar a beleza local da comunidade de Perobas no RN através de uma exposição e documentários locais.

Na rádio eram tantos que apareciam contando seu relato, pedindo oportunidade ou ajuda para realidade pessoal, programas da sopa e apoio comunitário que tive a chance de me aproximar um pouco. Em perobas o baque foi maior, lembro das pessoas locais vendo a exposição final e perguntando se aquilo era realmente Perobas. Eles não se reconheciam. Não reconheciam o local pois a condição de subsistência eram precárias, e na miséria não há paisagem.

No bar da comunidade todos se reuniam para beber cerveja. as crianças estudavam pela manhã, após descansar um pouco da jornada do bar, onde ajudavam, atendiam, serviam e ouviam música alta até algumas horas da madrugada.

Em 2013 fiz uma viagem de carro para Chapada Diamantina pelo interior com amigos, a nossa brincadeira no percurso de 2 dias foi contar as carcaças e esqueletos dos bichos na estrada. Mas por incrível que pareça, nenhuma dessas lembranças mudou tanto a minha visão, quanto em 2014, quando fui convocado para assumir o cargo de professor de inglês em Goianinha, interior do estado do Rio Grande do Norte.

as carcaças nós não vemos no litoral, pois além da seca não chegar, no litoral não temos agricultores de subsistência, mas empresários com recursos e capacitados.

As pessoas do interior lembram da fome melhor que os da capital. É mais difícil esconder a realidade quando a cidade é pequena. Por iniciativa própria visitei as casas de diferentes alunos, vi onde eles moravam. Em uma atividade de letramento pedi que escrevessem histórias, e os mais pobres apresentavam seus problemas com maior transparência. Seus desafios eram maiores e suas narrativas mais transparentes. Dezenas frequentavam a escola para não perder o bolsa família. Outras dezenas faziam dupla jornada para ajudar seus pais depois do turno escolar, mesmo tendo 12 anos de idade, afinal o Bolsa família não basta.

Uma vez uma mãe com três filhos chorou na minha frente. Ela tinha sido excluída do programa, pois seu filho mais velho se recusava a ir para escola. Mesmo com o ônibus intermunicipal, a caminhada era de 1 hora até o ponto todos os dias. O choro foi tão sincero, que naquele dia chorei também.

Crianças de ensino fundamental em comunidades pobres fazem esforços descomunais para seguir na escola. esforços que pouquíssimos adultos da classe média e alta fariam.

Em 2015 fui chamado em um mercadinho porque um aluno tinha roubado algumas coisas no supermercado. Para minha surpresa seu roubo havia sido um saco de arroz e uma raiz de mandioca. Naquele dia fizemos a feira no mercado da frente e comprei sacos de ramas de mandioca para que ele plantasse no terreno da família. Isso garantiu que ele não faltasse mais na escola e no curso.

Foi em 2015 ainda que tive uma das conversas mais humilhantes e revoltantes da minha vida. Ao dar um par de sapatos e o material escolar para uma aluna que tinha passado no IFRN, ouvi que dar roupas e coisas boas para pessoas como aquele aluno, pobre, negro e feio na visão de quem falava, era para eles “uma perda de tempo terrível, pois quem é pobre daquele jeito não sabe valorizar”…

No final de 2016 assumi outro concurso e conheci uma realidade de alunos mais velhos. Vi que as salas vão ficando vazias na medida que a bolsa deixa de ser recebida, afinal, o que motiva o aluno a ir para escola, enfrentando uma caminhada e 2 horas de ônibus para o centro urbano, que não a própria comida e merenda? O aluno que não vai para escola está na rua, com sorte trabalhando…

As escolas do interior se esvaziam na medida que as famílias mais pobres não possuem incentivo para continuar. Em macaíba são 6 turmas de primeiro ano lotadas, 2 de segundo lotadas e 3 de terceiro com o mínimo de alunos.

No EJA é pior. Não vi alunos miseráveis ou desempregados. Eles não se matriculam ou desistem, recebendo rapidamente o registro de abandono, ainda no primeiro bimestre. Ou você estuda e come, ou você não come e não estuda.

Hoje no Brasil temos em torno de 5% da população com fome, o que significa nove milhões quinhentos de trinta e sete mil novecentos e noventa pessoas que não se alimentam adequadamente. Pessoas perdem as forças todos os dias e voltam a enterrar seus filhos antes do primeiro ano de idade na medida que a fome assombra a vida.

nove milhões quinhentos de trinta e sete mil novecentos e noventa pessoas passam fome no Brasil

A educação, o trabalho e o lazer não existem com a fome

Talvez esse texto tenha sido biográfico demais para você entender, mas o que quero com ele é alertar que com fome não existe trabalho, não existe aluno na escola, não existe desenvolvimento. Daí a importância de programas sociais como o bolsa família, que na distribuição direta de renda atinge quem precisa e faz com que o aluno esteja na escola e no posto de saúde, mesmo tendo que fazer dupla jornada depois, por ser tão pequeno o valor.

Hoje no Brasil ainda existem pessoas sem teto, sem família, sem dinheiro para pegar ônibus, se alimentar decentemente, ter lazer. Têm pessoas que são excluídas da leitura, das oportunidades, do que acontece no mundo de fato. E seja um projeto social, um programa, uma igreja ou grupo com trabalho voluntário, tudo é válido para mudar essa realidade indigna.

Com isso, peço que agora você visite os links abaixo, são vídeos e textos. Alerto ainda que esse texto não é partidário, não defende bandido e nem corrupto, não é comprado. Pense duas vezes antes de xingar sem enxergar, pense 1000 vezes antes de votar em qualquer candidato e não vote em ninguém que não tenha um projeto real para erradicação da fome, da miséria e do analfabetismo no Brasil.

Referências sobre a fome no Brasil

A fome volta a assombrar o Brasil: https://oglobo.globo.com/economia/fome-volta-assombrar-familias-brasileiras-21569940

A dimensão da pobreza, da desnutrição e da fome no Brasil: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000200002

Índice global vê Brasil como exemplo na redução da fome, mas adverte que crise pode reverter sucesso: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37612972

Fome cai 82% no Brasil, destaca relatório da ONU: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/05/fome-cai-82-no-brasil-destaca-relatorio-da-onu

Em 10 anos, redução da extrema pobreza foi de ao menos 63%: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=27000

FIM

Bom, é isso pessoal, espero que vocês tenham gostado do texto. Sei que ele não segue o padrão dos últimos textos aqui no site, mas o tema é sério e precisamos encarar de frente essa realidade, sem vitimismo ou heroísmo, mas com a decência de ser um cidadão que se importa com a realidade do irmão de pátria.

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