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Pastor Heleno

Terminado o culto, enquanto os fiéis saíam pela porta, alguns poucos colocando os assuntos em dia na porta do templo apesar do frio, os obreiros tratavam de fazer o trabalho duro na sacristia de abrir todas as cartas com pedidos e intenções para recolher as contribuições voluntárias e os desafios de fé individuais das pessoas, As cartas iam para um lado enquanto o dinheiro era separado do outro. Pastor Heleno dava especial atenção para as notas, separando-as por cor, formando pequenos maços de dez notas, cuidadosamente dobradas e presas com clipes. A contagem naquele domingo foi um pouco mais demorada do que de costume, foi uma celebração de muita fé.
Ao final do processo, Pastor Heleno começou a guardar as notas em um saco plástico para levar para casa. Ninguém estranhou muito, era uma atitude de praxe em dias de grande arrecadação: o pastor contava o dinheiro das ofertas, separava uma parte e declarava a outra. Se houvesse um pico no valor arrecadado, provavelmente a matriz aumentaria muito a meta daquele templo, e o pastor não poderia se dar ao luxo de correr esse risco.
- Joaquim, vou contar o dinheiro em casa e de lá amanhã eu já levo para o banco depositar.
- Tudo bem, pastor.
Desde quando chegou para assumir o templo daquele bairro sete meses atrás, o pastor Heleno está atraindo cada vez mais adeptos. O bairro sempre foi considerado difícil, por ser em um lugar de baixo poder aquisitivo e ter uma população arredia a novas igrejas, porém seu discurso veemente sobre a vitória do homem em nome de Deus, seu carisma, em parte devido à sua bela face, outra parte graças a paixão que demonstra nas pregações, não teve mais um mês com prejuízo, e a figura do pastor está sendo vista com bons olhos pela cúpula da igreja.
- Pastor, o senhor vai levar essas cartas também? - perguntou Almir, o obreiro novato. Heleno, de bom humor, respondeu sem se exaltar:
- Almirzinho, essas cartas não são para ler, elas são uma conversa pessoal entre essas pessoas e Deus. Ler as cartas é interferir na aliança pessoal entre elas e nosso Senhor. Empilhe essas cartas perto do banheiro que amanhã vamos queimá-las.
Enquanto Almir fazia o que foi mandado, o pastor Heleno entregou-lhe a chave do templo e se despediu. Ao se dirigir a seu carro, encontrou Joaquim encostado à porta do mesmo:
- Pastor, eu queria lhe pedir uma coisa...
- Pois não, diga.
- Pastor, eu precisava de algum dinheiro emprestado para pegar o ônibus. A situação em casa está difícil, o remédio da minha filha aumentou e estou vindo a pé para economizar, mas hoje por causa do movimento ficou muito tarde...
Pastor Heleno não se fez de rogado: colocou a mão no bolso do paletó e entregou a Joaquim algumas palavras inspiradoras:
- Joaquim, este é o Salmo 23 que eu sempre carrego comigo. Leia-o no caminho se sentir alguma coisa. Você sabe que a situação da Igreja está difícil, e você é um bom homem, está me ajudando bastante com a obra aqui. Só peço para que tenha um pouco mais de paciência. Leia o Salmo, leve essas palavras contigo. Você quer ser pastor um dia, e o dia está chegando. Vou mandar também uma bênção especial para você e para sua família, que eu sei que vocês estão precisando.
Não era exatamente a resposta que Joaquim esperava, mas nunca antes o pastor havia lhe dado algo pessoal. Heleno colocou a mão direita na testa de Joaquim, improvisou uma bênção de um minuto, Joaquim agradeceu ao pastor e seguiu em frente, não podia perder mais tempo ali, e enquanto isso o pastor entrou em seu veículo e dirigiu-se para sua casa, do outro lado da cidade.
No caminho, enquanto dirigia pelas ruas escuras, atravessando bairro após bairro, Heleno pensava no quanto um bom planejamento financeiro poderia lhe garantir um templo em um bairro melhor até o final do ano. Normalmente os pastores que mais lucravam recebiam certos privilégios, como templos melhores, salários melhores e até mesmo casamento, mas essa era a coisa que menos lhe interessava no momento, afinal, era tão jovem e tão bem-sucedido, o melhor para ele seria preparar um conforto financeiro próprio antes de decidir estabelecer família. Mas isso não o impedia de ter aqui e ali alguns encontros com jovens pretendentes ao posto de esposa. Dois meses antes, surgiram rumores no bairro de que o pastor Heleno estava envolvido mais intimamente com uma fiel casada. Heleno tratou de desmentir isso rapidamente, mas por via das dúvidas, os dois decidiram por bem se afastarem por uns tempos.
Ao passar por uma praça, Heleno não deixou de reparar na figura de um rapaz magro, provavelmente um adolescente, encolhido em um banco para proteger os braços do frio. Estava sem agasalho ou coberta. Vendo aquilo, Heleno parou o carro, foi até o jovem e o convidou a entrar no automóvel, pois ele poderia lhe ajudar. O rapaz ficou parado como se não houvesse entendido o que aquele homem lhe dizia, mas ao ser perguntado uma segunda vez, acabou aceitando, sentando-se no banco ao lado do motorista. Heleno assim continuou seu caminho, com aquele rapaz da rua ao seu lado.
- Tá se sentindo melhor? Hoje fez bastante frio, não? Você mora por aqui? - perguntou Heleno, O jovem não respondeu. Heleno ficou impressionado ao ver um garoto tão desamparado na rua.
- Vou te levar lá em casa, aí você aproveita para tomar um banho, comer alguma coisa... você deve estar com fome, hein?
- Tô... - foi a primeira palavra dita pelo rapaz, de forma tímida. O pastor Heleno se animou com a resposta, ele sabia que o caminho para se conquistar a confiança era sempre aos poucos.
Ao chegar em casa, Heleno abriu a porta da garagem e estacionou o carro, então abriu a porta e convidou o jovem a entrar. Nisso o jovem entra todo desengonçado, arrumando as calças. Heleno riu-se daquilo e comentou:
- Rapaz, nem calças do seu número você tem...
Heleno levou o rapaz até a cozinha e ferveu uma água. O rapaz, sentado à cadeira, continuava quieto, olhando atentamente para o pastor. Ao ferver o suficiente, Heleno tira de uma gaveta da cozinha um envelope de sopa pronta e mistura na água, mexendo-a por um tempo, e serve essa sopa dentro de uma pequena tigela de plástico e uma colher para o garoto.
- Tome essa sopa, pelo menos irá lhe matar a fome. Enquanto você come, vou lhe arrumar umas roupas novas para você vestir depois de um banho quente. - disse Heleno, enquanto ia para a dispensa.
Na dispensa, Heleno pensava consigo o quanto existem de coisas erradas na sociedade, enquanto procurava um paletó no meio das doações dos fiéis para a última campanha do agasalho, e Heleno percebeu que todo o trabalho religioso que ele pudesse fazer não seria o suficiente para impedir que mais e mais crianças como aquela acabassem na rua, morrendo de frio.
O que Heleno não percebeu é que o rapaz o havia seguido até a dispensa, e que enquanto o pastor procurava por uma roupa adequada, o jovem tirava da parte de trás da bermuda um revólver.
- Morra, otário!
Foram quatro tiros que atingiram o religioso pelas costas. Um dos tiros acertou-lhe a nuca, matando-o instantaneamente. Entre pilhas de roupas esquecidas, pastor Heleno ali jazia, enquanto o rapaz, antes de pilhar a casa inteira, bradava raivosamente:
- Agora morda o chão, seu viadão!


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