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A Ignorância | Opinião


A história de uma mulher e de um homem que se encontram por acaso durante a viagem de regresso ao seu país natal, de Onde emigraram vinte anos antes, é o catalisador de uma excepcional reflexão sobre um fenómeno que atingiu, no século XX, uma dimensão sem igual na história: a emigração.

Depois de A Imortalidade, A Lentidão e A Identidade, romances que parecem fazer parte de um projecto maior, Kundera propõe com A Ignorância mais uma pujante análise da condição humana e da contemporaneidade, como habitualmente, assente num discurso com tanto de irónico como de corrosivo.


Autor: Milan Kundera
Editor: Dom Quixote 
Género: Romance
Páginas: 160
Original: L'ignorance (2000) 
 Scott Moncrieff Prize (2003)
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opinião
★★★★☆
Sempre admirei como, através de histórias simples, Milan Kundera consegue dizer-nos tanto… e como, partindo de uma abordagem aparentemente intelectual consegue criar narrativas tão essencialmente comoventes.

Em A Ignorância espreitamos a memória e a nostalgia especificamente no conceito da migração; especificamente mas não exclusivamente, já que cabe ao leitor interpretar, contrapor, extrapolar e contextualizar.

No centro da trama encontramos um homem e uma mulher, emigrados há 20 anos. No país que os recebeu foram muitas vezes vistos com antipatia, as suas identidades foram-lhes roubadas para serem estereotipados, classificados, etiquetados e assim julgados. No país a que regressam, vêm novamente a sua identidade ser roubada, o que viveram em 20 anos ser deliberadamente ignorado, recriminados por ter abandonado o país em troca de uma vida mais fácil.
«O mesmo cineasta do subconsciente que de dia lhe enviava pedaços da paisagem natal como imagens de felicidade, organizava-lhe, de noite, regressos aterradores ao seu país. O dia era iluminado pela beleza do país abandonado, a noite pelo horror de lá voltar. O dia mostrava-lhe o paraíso que perdera, a noite o inferno de onde fugira.» - p. 16


Regressam porque se deixaram tentar pela nostalgia, mas o que desejam não é possível: não é possível regressar aos mesmos sítios e encontrá-los exactamente iguais, encontrar os que deixámos ou que nos deixaram exactamente na mesma, experimentar os mesmos sentimentos, entrar nos mesmos estados de espírito, reviver as mesmas situações. As memórias harmonizam-se, mas nunca são completamente iguais; as nossas memórias para uma mesma coisa, uma mesma experiência, nunca são exactamente iguais (por mais próximas que nos sejam as pessoas em comparação).

Além disso, as recordações, se não forem recorrentemente evocadas, vão embora. Perdem-se. Uma memória que tenhamos em especial estima, relacionada com outra pessoa, pode já nem fazer parte das suas recordações.
«a nostalgia não intensifica a actividade de memória, não desperta recordações, basta-se a si própria, à sua própria emoção, absorta por completo como está no seu próprio sofrimento.»

Gostei imenso deste livro! Falta-me apenas dizer - porque tem mesmo que ser dito - que é a prosa de Kundera que transforma toda esta associação de ideias em algo verdadeiramente especial.
Há quem seja notável na partilha de noções, há quem tenha o talento de jogar com palavras de forma a transformar simples frases em autênticas façanhas - Milan Kundera é exímio em ambas.


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Frases Preferidas:
«o regresso, o regresso, o regresso, a grande magia do regresso.»
«como machadadas, as grandes datas marcam o século XX europeu com golpes profundos.»
«os ditadores são perecíveis, a Rússia é eterna.»
«fora dos sentimentos, a sexualidade desdobra-se como um deserto onde se morre de tristeza.»
«o amor é a exaltação do tempo presente.»
«como é cansativa a fidelidade que não nasce de uma paixão verdadeira»
«a vida que deixámos para trás de nós tem o mau hábito de sair sa sombra, de se queixar de nós, de nos mover processos.»
«quem falhou os seus adeuses não pode esperar grande cposa dos seus reencontros.»
«as discussões travadas nas altas esferas do espírito são sempre míopes perante o que, sem razão nem lógica, se passa em baixo: dois grandes exércitos batem-se até à morte por coisas sagradas, mas será uma minúscula bactéria de peste que os esmagará a ambos.»
«se, outrora, se ouvia música por amor da música, hoje ela berra em toda a parte e sempre, "sem se perguntar se temos vontade de a ouvir", berra nos altifalantes, nos automóveis, nos restaurantes, nos elevadores, nas ruas, nas salas de espera, nas salas de ginástica, nos ouvidos tapados dos walkman, música reescrita, reinstrumentada, abreviada, despedaçada, fragmentos de rock, de ópera, vaga onde tudo se mistura sem que se saiba quem é o compositor (a música transformada em ruído é anónima), sem que se distinga o princípio ou o fim (a música transformada em ruído não conhece forma): a água suja de música onde a música morre.»




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