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Moi qui n'ai pas connu les hommes

Possivelmente das leituras mais fortes que alguma vez fiz.



Este livro foi-me recomendado por uma amiga que fiz quando estive a trabalhar em Paris. Nunca ouvira falar de Jacqueline Harpman, mas o título deste livro é sonante: eu que nunca conheci os homens. Soa talvez a título de obra feminista, mas não: Moi qui n'ai pas connu les hommes é uma obra filosófica, talvez distópica, narrada por uma protagonista sem nome, que cedo descobrimos estar absolutamente só no mundo - e que está a morrer.


Je n'avais jamais pleuré. J'avais aussi horriblement mal à l'âme que le cancer me fait mal au ventre et, moi qui ne parle plus jamais car il n'y a personne pour m'entendre, je me suis mise à l'appeler, je répétais Théa! Théa! j'étais incapable de tolérer qu'elle ne soit pas là, qu'elle ait laissé la mort s'emparer d'elle, l'arracher à mes bras maladroits, je me suis reproché de ne pas l'avoir retenue, d'avoir compris qu'elle n'en pouvait plus, je me suis dit que je l'avais abandonnée parce que j'étais toute roide, comme je l'ai été toute ma vie, comme je le serai en mourant, que je ne pouvais pas la serrer avec chaleur, que mon coeur était figé, stupide, et que je n'avais pas senti que j'étais désesperée.


A premissa é relativamente simples: a narradora, sentindo que está a morrer, relata a sua vida, não sabe bem para quem, já que está só; o seu relato inicia-se numa idade indefinida, talvez 13-17 anos, idade que ela não sabia, na altura, e nunca viria a saber, pois todas as memórias que tem da sua vida começam com ela trancada numa jaula num bunker subterrâneo com 39 outras mulheres, todas elas mais velhas, todas elas com memórias de uma vida anterior - nenhuma delas sabe o porquê de lá estarem, há já talvez uma década, e nenhuma delas sabe por que motivo a narradora, uma criança, lá estar com elas.


 - Et vivez-vous comme ça, avec vos légumes, sans perspectives?

 - Si, la mort, dit-elle sèchement. Nous ne pouvons pas nous suicider, mais nous mourrons quand-même. Il suffit d'attendre.


Esta jaula é guardada por três guardas de cada vez, que fazem turnos; as mulheres não se podem tocar, não podem fazer nada sem estar à vista dos guardas, não podem falar com estes, e alimentam-se do que estes lhes dão, a cada dia. A própria duração dos dias parece arbitrária, são obrigadas a dormir de noite, a deixar passar os dias, a remendar roupas usando linhas feitas dos seus cabelos, têm acesso a medicação apenas quando doentes. As 39 outras mulheres passam os seus dias em lembranças fúteis de tempos passados, a falar de várias maneiras de cozinhar o que lhes é dado (embora só tenham água e sal para confeccionar a comida), de conceitos que a narradora desconhece e acha fúteis. Por ser muito mais nova, por não ter essas memórias, por não saber quem é, sente-se sempre à parte, até ao momento em que começa a ganhar uma nova consciência dos eventos.


 - Hier, entre le moment où la lumière a augmenté et celui où le jeune garde est arrivé, c'est-à-dire où la relève a eu lieu, mon coeur a produit trois mille deux cent vingt battements, et aujourd'hui cinq mille douze. Combien de temps cela fait-il?

Je vis qu'elle retenait son souffle.

 - Quoi! Tu as compté ça?

 - Cela peut servir à évaluer le temps.


E é algures aí que algo acontece, uma sirene toca no preciso momento em que as mulheres iam receber os alimentos do dia - e os guardas fogem, deixando-as paralisadas, sem reacção, durante talvez dez minutos, após os quais as mulheres decidem escapar da sua clausura, da gruta, e descobrir o mundo lá fora.


E é aqui que o livro se torna sublime, na nova liberdade destas mulheres, porque é também aqui que tudo se torna ainda mais aterrador: não há qualquer vestígio dos guardas, a superfície do lugar onde se encontram é uma planície árida, estéril, sem revelar a proximidade de caminhos, civilização, sem nada que fosse familiar às 39 mulheres. E, assim, começa uma luta por sobrevivência, numa terra talvez alienígena, num mundo absolutamente desconhecido, desprovido de vida, sendo os vários conhecimentos que as 39 mulheres tinham inúteis neste novo ambiente estranho.


Nunca percebemos o porquê de estas mulheres terem sido aqui trancadas, e mesmo se o facto de a sirene ter tocado naquele preciso momento, com a chave na fechadura, foi ou não um golpe de sorte. Não sabemos o que destruiu a sociedade que estas mulheres conheciam, ou onde estavam (seria o planeta Terra, ou outro?). Os dias, as semanas, os meses passam, e a coragem desvanece, o terror conquista os espíritos de todas, menos o da narradora. A narradora não vacila perante todas estas dúvidas; desconhecendo o mundo passado, não sente a sua falta, aceita mais facilmente as circunstâncias.


Je serai seule propriétaire de ce pays, avais-je dit à Théa peu avant qu'elle ne mourût: mais je savais que les cailloux et les chambres froides ne constitueraient qu'un médiocre trésor.


A narradora define a sua diferença para com as demais pelo facto de nunca ter conhecido homens, pois nunca falou sequer com os guardas que a vigiavam, estes não falavam também entre si. Mas o livro é sobre o que faz de nós humanos (as memórias, o nosso modo de vida?), o que torna as coisas importantes. A narradora é uma tábua rasa, sem preconceitos de construções sociais, apesar do que ouvia das outras mulheres com quem convivia, e descobre uma total falta de propósito na sua existência que, apesar diso, não a demove; e percebe como os objectos perdem a sua utilidade e importância quando não têm finalidade, tal como a sua voz, quando se encontra sozinha no mundo, deixa de ter utilidade. Não fala mais, porque está sozinha. Para quê falar?


A falta de respostas para as inúmeras perguntas que o livro coloca não me desanimou, de modo algum, tornando a leitura apenas mais angustiante, tornando a imagem mais forte, duradoura. As várias personagens do livro perdem rapidamente a esperança, e a angústia e o desespero são palpáveis, crescentes.


Quem é a narradora, qual é o seu papel, a sua utilidade, o seu propósito, se não houver mais ninguém? É uma narrativa agonizante que captura perfeitamente a introspecção de uma pessoa que nunca conheceu, não só os homens, mas nada, que é inexperiente, que não se consegue considerar humana por causa das circunstâncias que a envolvem e do destino que acaba por a esperar.


Je ne dois pas être très âgée, si je suis sortie de la cave aux environs de quinze ans, je dépasse à peine la soixantaine. Les femmes disaient que, dans le monde d'avant, l'espérance de vie montaint à plus de soixant-dix ans. Mais il y fallait des soins médicaux. Là-bas, j'aurais eu des règles, des enfants, et mon utérus inutile n'aurait pas pourri.


5/5


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