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As Falsas Memórias de Manoel Luz

Este é outro livro que deu entrada nas estantes sem se saber do que tratava, e para cuja leitura parti sem qualquer tipo de pista.



Não ligando particularmente a capas (são frequentemente escolhas estéticas sem qualquer relação com o conteúdo, muitas vezes infelizes, e não são, para mim, critério de escolha ou compra), falhei em ver as pistas que ela inclui: as flores e os livros.


Acompanhamos Manoel Luz desde criança, numa idade que não é explícita nem nunca explicada, mas criança algures na década de 1960 e princípios de 1970, em Portugal, em pleno Estado Novo. Manoel vive numa casa com a sua família, filho único, e no piso de baixo é a loja de flores em que trabalha o seu pai. Porém, é a livraria onde trabalha Rodolfo Prudente - Homem a quem é atribuída enorme importância e estatuto, homem que descobrimos ser apoiante do regime - que mais alicia Manoel. E o Sr. Prudente toma-o como protegido, algo que encanta Manoel, que sonha em ser "um homem maior", como o Sr. Prudente, rico, importante.


Assim, acompanhamos, numa primeira parte, a infância e a juventude de Manoel Luz, vivendo entre os seus dois mundos: o dos livros, com a casa grande do Sr. Prudente, a sua esposa que lhe empresta livros do Homem Multiplicado (Fernando Pessoa), e o das flores, da mãe pouco calorosa, do pai que procura a felicidade nas coisas simples e tenta mostrar a Manoel que aquilo que o Sr. Prudente tem pode não ser o mais importante.


Filho, dedica sempre um dedo do teu tempo para lembrares o principal.

Pai, todo o meu tempo é principal para ampliar-me, ficar maior, completo de vida.

Somos bichos a correr para a morte, Manoel. E ficar maior nunca mudará o verbo.


Manoel Luz cresce, embebido nas crenças e na forma de estar de Sr. Prudente, rejeitando, ainda que inconscientemente, o que lhe ensina o Homem Floreiro. Conhece Laura, rapariga crente na democracia, a quem oferece um ramo de malmequeres por recomendação do pai, a quem quer escrever poemas, mas ouvindo também os conselhos sobre o amor que lhe dá o Sr. Prudente, com calculismo e frieza, sobre uma vida cheia, mas desprovida de sentimentos.


A propaganda estadista era tanta que apetecia apontar o dedo, aprontar o corpo, morder os dentes, mas o homem floreiro podava a língua por amor ao rapaz que se ampliava na palma das suas mãos. Tiveram o general aviador que se levantou ao presidente, com um sopro de esperança a evaporar-se do privado tão limpo, mas todos sabiam da escutas e emboscadas do regime para que o homem falador de liberdade caísse morto.


A segunda parte apresenta-nos Manoel já adulto, talvez pela década de 1990, anos após a morte do Homem Floreiro e pouco após a morte do Sr. Prudente, cuja livraria herdou, lidando com a ausência de ambos, percebendo como esta ausência o marca e como deve encaixar os acontecimentos que o perturbam.


Finalmente livre de influências ou de modos de pensar que não lhe seriam nativos, é aqui que um desenrolar de eventos leva Manoel Luz a descortinar o que fez da sua vida: será, ou não, um "homem ampliado"? Terá cumprido as expectativas que tinha quanto a si mesmo, as ambições que lhe poderão ter sido incutidas por outro? Pior: que fazer quando aquilo que tomamos como verdade se revela ser mentira e põe em causa todas as nossas memórias?


É quando Manoel Luz se permite desconstruir a racionalidade na qual se formou (na qual cresceu, se "tornou maior") que se apercebe da sua enorme fragilidade emocional, de tudo aquilo que passou e deixou escapar, apesar das tentativas do Homem Pai, do Homem Floreiro, para que assim não fosse.


Tal como Fernando Pessoa é apresentado como "Homem Multiplicado", ao descobrir desconhecer quem é, Manoel Luz demonstra ter uma variedade de pessoas, de memórias, de passados e de possibilidades dentro de si: que é um homem complexo e, em paralelo com a Revolução de Abril, também ele precisava de uma revolução, mais íntima e pessoal, de uma nova distribuição de afectos.


Lembrou-me vagamente de Great Expectations, de Charles Dickens, em que o protagonista, Pip, vê na Satis House e em Estella aquilo que acha que ambiciona, a casa grande, o dinheiro, o fausto, um meio de sair da pobreza e cumprir ambições, mas também o fracasso dessas mesmas "esperanças", por motivos díspares.


É impossível não referir a forma como Marlene Ferraz escreve: inicialmente estranha e aparentemente complicada, foi-me muito fácil entrar no "ritmo" e compreender os vários significados, não achando particularmente difícil, limitativo ou exigente (mas reconheço que pode ser um ponto de discórdia).


5/5


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