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Sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han

Em setembro do ano passado, eu tive um colapso mental no Trabalho. Não chegou a ser um burnout, aquele esgotamento de quando a gente está com coisas demais na mão, fazendo mais do que as nossas capacidades, e acabamos tendo um troço. Foi mais uma coisa de “não é isso o que eu quero fazer, isso não está me fazendo bem, eu quero sair”. E saí. De lá para cá, minha relação com o trabalho está muito diferente. Isso porque decidi priorizar eu mesma, as minhas coisas e os meus desejos, e não priorizar o trabalho em si. Porque percebi que, para eu me sentir bem, eu não preciso estar sempre produzindo e sempre disponível — embora, tenha que dizer, essa vida de freela exija que eu esteja disponível, mas de um jeito leve, sem muitas cobranças. 

Foi muito por causa dessa escolha que fiz no ano passado que quis ler Sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han (Editora Vozes, tradução de Enio Paulo Giachini). Ele é um filósofo sul-coreano com uma série de publicações que refletem sobre a sociedade atual, e neste livro fala sobre essa obsessão que temos pelo trabalho e pelo desempenho. Em pouco mais de 120 páginas, ele descreve como essa sociedade passou de uma estrutura negativista, calcada em ordens e deveres, para uma estrutura positivista que preza o “eu” e a produtividade. 

Comparar as relações de trabalho e de vida dos anos 2020 com 50 anos atrás pode dar a impressão, de início, de que estamos vivendo em uma sociedade muito menos regrada e limitadora. E olhando por esse viés, realmente estamos, de certa forma: tendemos a dar um pouco mais de importância para a vida pessoal, não ficamos mais anos e anos trabalhando para as mesmas empresas, conseguimos mudar com mais facilidade os rumos das nossas vidas e nossas carreiras. A disciplina dura, daquela que limita e bota medo, é vista como uma relação maléfica, negativa. Mas a questão que Han levanta, e que é muito séria, é que hoje nós somos os nossos próprios carrascos. E isso é culpa de um excesso de positividade. 

Essa positividade diz que somos capazes de fazer tudo e de ter tudo. E se trabalharmos bem e sempre, iremos conquistar esses objetivos. A vida nessa sociedade de desempenho é medida de acordo com o que somos capazes de produzir, e quanto mais desempenhamos, mais valor temos — ou pensamos ter. Não deixa de ser uma maneira de se cobrar além do necessário para produzir e estar ativo, só que ao invés de uma autoridade nos impondo isso, somos nós mesmos, a nível pessoal, que nos cobramos dessa maneira. “[…] somos ao mesmo tempo prisioneiro e vigia, vítima e agressor”, diz Han. 

São Paulo é um bom exemplo dessa sociedade de desempenho. Quantas pessoas de fora não se espantaram, quando chegaram aqui, com o ritmo de trabalho do paulistano. Horas extras todos os dias, conferência de mensagens e e-mails de trabalho nos fins de semana, uma necessidade imensa de estar sempre fazendo alguma coisa “útil”, até mesmo na hora do lazer. Não tem o tempo do ócio, do tédio, tudo tem que ter uma utilidade, produzir algo. É uma cobrança pessoal constante para fazer mais que acaba resultando no que falei lá no início: burnout, depressão, esgotamento. 

“A violência da positividade não pressupõe nenhuma inimizade. Desenvolve-se precisamente numa sociedade permissiva e pacificada. Por isso ela é mais invisível que uma violência viral. Habita o espaço livre de negatividade do igual, onde não se dá nenhuma polarização entre inimigo e amigo, interior e exterior ou entre próprio e estranho.”

A sociedade do desempenho, segundo Han, “produz depressivos e fracassados”. Essa cobrança constante pelo desempenho é um inimigo para o bem-estar, pois trabalha constantemente, sem folga. Nos sentimos fracassados se não damos conta de fazer tudo, e eu tive muito esse sentimento nos meus primeiros meses trabalhando de casa, sem um emprego formal. Com mais tempo livre para mim e para fazer o que eu queria, eu me sentia uma fracassada por não estar trabalhando tanto quanto antes. Porque eu já tinha internalizado bem o ritmo de produção vigente nessa sociedade. Estar parada era como se eu não tivesse utilidade alguma para o mundo. E isso me deixava angustiada, deprimida, triste. Por que eu não conseguia produzir tanto quanto os outros? 

As redes sociais têm muito a ver com essa sociedade de desempenho — que se transforma, daí, em uma sociedade do cansaço. Nos comparamos a toda hora com os outros que expõem as suas vidas pessoais e profissionais sob uma lente positiva, onde tudo é bonito, todos estão alegres e felizes. E por não nos sentirmos assim alegres e felizes, nos sentimos mal, porque deveríamos estar alegres e felizes. Deveríamos estar satisfeitos com o mundo, com o trabalho, com os amigos, com nossas relações. Mas não estamos. E por quê? 

São muitos os motivos, mas um dos que considero mais importantes é a condição de hipertenção em que estamos inseridos. Recebemos milhares de estímulos diariamente sobre o que fazer, o que ser, como fazer e como ser, um mar de informações que nos esgota, pois não deixam espaço livre para o tédio. Sem falar nas questões coletivas, nessa quantidade absurda de notícias e acontecimentos que nos deixam indignados, mas que às vezes são tantos que acabamos até que meio anestesiados. Cansados, mesmo, de tanta coisa acontecendo. 

“A cultura pressupõe um ambiente onde seja possível uma atenção profunda. Essa atenção profunda é cada vez mais deslocada por uma forma de atenção bem distinta, a hiperatenção (hyperattention). Essa atenção dispersa se caracteriza por uma rápida mudança de foco entre diversas atividades, fontes informativas e processos. E visto que ele tem uma tolerância bem pequena para o tédio, também não admite aquele tédio profundo que não deixa de ser importante para um processo criativo.”

Eu trabalho, basicamente, com criatividade. Eu produzo diversos tipos de conteúdo, para mim mesma e para meus clientes, e vivo de ideias. Agora, imagina como é complicado ter ideias em meio a tanta coisa acontecendo, tanta gente falando, tantas coisas para ver. O cérebro não aguenta, eu não aguento. E não sou só eu. Claro que eu estou numa posição muito confortável: não me falta trabalho, logo não me falta renda. É um trabalho que não exige minha presença física na maior parte do tempo, que é flexível em horários, sem chefes me cobrando o tempo inteiro. Não é todo mundo que consegue um trabalho assim. Sem falar nas condições sociais: eu não tenho uma família para sustentar, eu não tenho, por agora, que me preocupar se vai sobrar dinheiro para comer depois de pagar as contas. Então, se eu me sinto assim, desgastada, tendo todos esses privilégios, imagina quem não vive nesse conforto. 

Byung-Chul Han aborda também essa ideia de que seremos recompensados por tanto esforço. Essa noção de que o empreendedorismo será a nossa salvação, de que devemos ser empreendedores de nós mesmos para alcançarmos um novo status financeiro e social. Uma grande mentira dessa sociedade, que ilude a gente diariamente. No final de tanta dedicação, de tanto trabalho e de tanto esforço, não sobra muito tempo para o relaxamento, para o tédio. Esse espaço ainda é ocupado pela preocupação e a necessidade de fazer mais. Até chegar ao esgotamento. 

Sociedade do cansaço é um livro muito tranquilo de ler, e Han apresenta suas ideias de maneira bastante clara. Para quem é leigo na filosofia, é uma leitura que não assusta, e ele ainda apresenta essas reflexões fazendo referência a outros textos de outros pensadores. É uma boa forma de se introduzir nesse pensamento sobre o mundo pós-moderno, de parar um pouco e pensar no que estamos fazendo com nossas vidas e no que estamos priorizando.

“O sujeito do desempenho esgotado, depressivo, está, de certo modo, desgastado consigo mesmo. Está cansado, esgotado de si mesmo, de lugar consigo mesmo. Totalmente incapaz de sair de si, estar lá fora, de confiar no outro, no mundo, fica se remoendo, o que paradoxalmente acaba levando a autoerosão e ao esvaziamento.”


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Leituras relacionadas:
– A nova idade das trevas, de James Bridle
Falso espelho, de Jia Tolentino

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