– Puta que o pariu Marcelo!
Pedro há algum tempo desistiu de corrigir sua mãe. Ainda que pudesse haver alguma semelhança entre o homem e seu pai (do fundo do coração esperava que houvesse), a debilidade mental de sua genitora era evidente. O passado Parecia Mais vivo, enquanto o recente era um borrão onírico. Pedro tinha um medo constrangido de que a mãe confundisse pai com filho em situações mais… íntimas. O que graças ao bom Deus nunca aconteceu!
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Estranho é que sempre se lembrava da mãe como distinta senhora recatada. Nunca a ouviu falar um palavrão sequer. Quando menino, se um “merda” que fosse escapasse por descuido, levava boas palmadas. Agora, com a doença, Dona Arlinda revelava-se uma boca suja de primeira.
– Tu é um traste mesmo, Marcelo. Me deixa ir trabalhar!
A mulher parecia mais irritada do que de hábito.
– Mãe, sou seu filho. Pedro. O Marcelo já faleceu tem uns dez anos.
Como sempre, Arlinda olha adiante, no vazio de um ponto fixo. Um nítido assombro confuso toma conta de sua face. Marcelo sentiu-se triste por não conseguir fazê-la entender.
Pedro se arrepende cada vez que tenta arrastar a mãe para realidade. A mente dela vaga perdida em algum Lugar no tempo, diferente daquele. Como se olhasse pela janela do quarto e sala em que vivia nos anos 80 e visse os tempos atuais lá fora, tomados por um nevoeiro matinal que não se dissipava. As vezes ficava menos intenso, é verdade. Mas sempre estava lá. Dentro do quarto e sala as cores eram tão intensas! Os cheiros. O toque.
– Te amo tanto Marcelo!
– Também te amo, mãe. Mas sou o Pedro. Pe-dro. Papai não está mais entre nós.
Pedro se levantou da cadeira que postou em frente a poltrona onde a mãe estava sentada. Cabisbaixo, com as mãos na cintura, caminhou até a janela do aposento. Do outro lado, um dia ensolarado tomava conta do jardim bem cuidado. Era um Belo Lugar para o fim de uma vida, pensou. “Retiro Amanhecer” era um doce eufemismo para asilo. Amanhecer era um começo. Anoitecer seria mais verossímil, embora menos agradável.
Marcelo então voltou-se e envolveu as mãos de Dona Arlinda nas suas. A saudade doía fundo em sua alma.
Um belo lugar para o fim de uma vida, sem dúvidas.
(Este pequeno conto foi produzido por mim em resposta ao desafio do podcast Gente que Escreve)
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