Sai de São Paulo e fui até Campinas apenas para Ver Clarice.
Alguém pensou em me corrigir e disse: “Foi ver a Beth Goulart interpretar a Clarice Lispector?”
Foto: Rosana Xavier |
Fui ver Clarice!
Para quê?
O Teatro Brasil Kirim foi uma grata surpresa. Muito confortável! Bem iluminado quando necessário. A visão do palco foi excelente.
No início da peça as informações de abertura, a ficha técnica, veio numa gravação que, creio, era a voz do Paulo Goulart. Tive o prazer de conhecer o pai da Beth num musical em que seu outro filho, também Paulo, atuava. Ele sentou-se ao lado e, durante a exibição, trocamos alguns comentários. Um dia normal para ele. Um dia especial para mim.
Mas a voz do Paulo me trouxe a informação, em cima da hora, que eu iria ver a Beth Goulart e não a Clarice.
Será que eu precisaria marcar um outro tipo de encontro para ver Clarice?
Nem deu tempo de filosofar muito...
Começou o espetáculo!
E eis que surge a voz estranha, os dedos tortos, a elegância, a sanidade, a loucura, as palavras, as personagens, a vida, as histórias, a pessoa.
Enfim encontrava-me com Clarice Lispector.
O cenário é formado por um divã, uma cadeira, um banco desses para uma pessoa, uma mesinha, a máquina de escrever e cinzeiros. Atrás e envolvendo/protegendo tudo isso uma cortina dessas de muitas tiras, bem fechadas.
Cortinas que servem para nos proteger dos olhares alheios e indevidos. Cortinas que servem para que escondamos o mundo e assim podermos viver plenamente em nós mesmos.
Para mim aquilo representa o cérebro da escritora. E assim, como acontece conosco (ao menos comigo), a realidade, os pensamentos e as histórias que cria misturam-se, completam-se, envolvem-nos.
Talvez as cortinas não sejam mesmo o cérebro, mas apenas um espelho.
Um espelho que reflete Clarice.
Um espelho que reflete suas personagens, que são sua forma de ver e traduzir o mundo e a si mesma.
Um espelho que reflete a nossa própria imagem, o nosso próprio medo daquele animal que nem o nome consigo escrever sem me sentir mal.
Depois do fim da peça a atriz volta ao palco para agradecer e falar.
Difícil! Difícil! Muito difícil!
Deixar de ver Clarice e visualizar a maravilhosa e elegante Beth Goulart.
Aplausos e mais aplausos.
Eu vi Clarice Lispector!
Para quê?
Para poder me ver um pouco sem rótulos e predefinições. Para, egoisticamente, usá-la como espelho.
Fui ver Clarice e me encantei mais ainda com a autora e com a atriz que lhe deu mais um sopro de vida.
Obrigado, Beth Goulart!
Obrigado, Clarice Lispector!