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AS MARCOLINAS: MEMÓRIAS MARGINAIS

É inconteste que o estudo sobre a história é fonte privilegiada de conhecimento e de sabedoria, além de se inteirar sobre a cultura, a memória, a identidade, as vozes oficiais e marginais, as performances comunitárias, as tradições e os costumes.
Em Luís Gomes/RN, existem diversas narrativas interessantes que remetem a própria história oficial, bem como de personagens e vozes que foram em parte silenciadas ou simplesmente apagadas. À margem da história luís-gomense muitos coadjuvantes que, aos poucos, são lembrados com a desconstrução da tradição centrista e de padrões culturais.
A narrativa oral popular, dentre as quais podemos citar as crônicas, os contos populares, as lendas e mitos contribuem para um olhar mais democrático e amplo sobre a história, a memória e a cultura de um modo geral, mas principalmente da Serra do Senhor Bom Jesus.
A narrativa intitulada “As Marcolinas” é uma dessas histórias que nos ensina a partir de experiências, costumes e também pelos significados do cotidiano. O termo “As Marcolinas” ou as variantes “Marculinas”, “Maiculinas”, se refere a três irmãs que moravam isoladas nas terras de João Ribeiro, vizinho a José Nazário, ao vilarejo de Quintas e também próximo ao Sítio Coati, no município de Luís Gomes – RN.
Três mulheres que se chamavam Ana, Vicência e Chica, mas quem tinha alguma proximidade, as tratavam como Aninha, Vicença e Chiquinha. De aparência simples, cor morena, blusa de manga comprida e saia de chita que se estendia até o chão e que na lida do campo levantava poeira. Cada uma com seu cachimbo, nos seus afazeres domésticos e agrícolas, mantinham uma vida reservada e voltada ao labor do dia a dia.
A origem delas vem das plagas do Caititu, pequena comunidade rural do município de Luís Gomes, próxima ao Sítio Pitombeira. Segundo informações, eram consanguíneas com o Promotor de Justiça Dr. Licurgo Nunes e com o Sr. Israel Ferreira Nunes, a quem é atribuído o nome de uma das ruas da cidade serrana. Além disso, era parente dos Medeiros de Riacho de Santana.
Quando uma delas cumprimentava alguém não usavam os termos “Senhor” ou “Você”, mas sim termos arcaicos como “Vamicê”, “Nhiosim”, “Sí Señor”, “Meu Branco”, “Meu Preto”. Com os mais velhos, diziam “Antiguíssimo”, no superlativo.
Em vossa propriedade em João Ribeiro, que lograva mais de 1.000 ‘tarefas’ de terra, uma herança dos pais, trabalhavam duro: brocavam, limpavam, plantavam, colhiam, cuidavam das criações... Por falar nisso, elas tinham uma grande criação de caprinos, além de porcos, galinhas e cachorros. Em relação aos bodes e cabras conta-se duas cenas curiosas. A primeira dá conta de que esses animais recebiam um tratamento especial, por haver um afeto muito grande por parte das irmãs. Por isso, os bichos morriam de velhice. Um dos bodes se chamava “Caçula”... Alguns deles de tão velhos, viravam os chifres para frente! Quando iam pastar não ficavam presos, mas seguiam amarrados pelas cordas na cintura da dona, que em meio ao a um verdadeiro emaranhado, conduzia com maestria o rebanho, com zelo e tranquilidade. A segunda cena curiosa diz respeito a uma onça que atacou e matou um dos caprinos das Marcolinas. Revoltadas, levaram o chuncho, arcaias e outras ferramentas para a caçada, que culminou com a morte do temido felino, preso em sua furna e com o fogo produzido e ateado pelas três irmãs. Não à toa, tinham fama de valentes!
Quando se deslocavam para a cidade, passavam na casa de Pedro Ventura, bebiam água e seguiam viagem. Cachimbo no bolso e as sandálias (currulepes de couro) entrelaçadas sobre a cabeça. Um dos locais em que calçavam as sandálias e mudavam a roupa era na ladeira do Cedro, local que na época preservava muitas árvores e, por conseguinte, a privacidade do ato. Ficou conhecido como o “Buraco das Marcolinas”. Após as obrigações, sendo a principal a missa, voltavam para casa e cumpriam o mesmo ritual, com destaque para as ‘peças’ de couro sobre a cabeça.
Nasceram por volta de 1.900 e viveram mais de 70 anos, segundo relatos. Nos deixaram a aproximadamente 40 anos, com o estigma de mulheres fortes, guerreiras, independentes, alheias as barreiras do tradicionalismo, do preconceito patriarcalista e/ou etnocêntrico, pelo fato também de se colocarem num contexto em que fugiam do esteio restrito da procriação, administração econômica e direção política dos homens que, ideológico e historicamente, prevalecia sobre as mulheres naquela época.
Mesmo com um estilo de existência simples e incomum, sem vida social ou opulência, sem grandes sonhos ou objetivos, eram felizes com as escolhas que fizeram, com a frugalidade da vida campesina. Dinheiro para suas necessidades, na época, moedas de prata e ouro, não lhes faltava.
É realmente inquietante ouvir, desvelar e conhecer memórias que revelam o que não conhecemos e não vivemos mais” (Lévi-Strauss, apud Ponty, 1980), pois são momentos de aprendizagem, de reflexão sobre a vida, de aquisição de conhecimento prático e de sabedoria.
A memória é “uma das três potências da alma racional e, como reflexo das dignidades de Deus, ela é boa, grande, duradoura, poderosa, sábia, voluntariosa, virtuosa, verdadeira e gloriosa” (COSTA, 2007, p. 09). É, em outras palavras, uma fonte inesgotável de informações e de conhecimento da alma e da capacidade humana.

REFERÊNCIAS
COSTA, Ricardo. História e memória: a importância da preservação e da recordação do passado. In: SINAIS – Rev. Eletrônica - Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Ed. n.02, v.1, out. 2007. pp.02-15.

MERLEAU-PONTY, M. Os pensadores: textos selecionados. São Paulo: Abril Cultural, 1980.


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