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"NA TEIA DO SOL" É TEMA DE DISSERTAÇÃO NA UNB

Tags: braff teia obra
A dissertação é de 2019, mas só descobrimos agora. Sob o título "Regimes de si em “Na teia do sol”, de Menalton Braff", Andressa Estrela Lima faz uma reflexão sobre a literatura brasileira contemporânea que trata da ditadura militar no Brasil, tomando como objeto o livro "Na Teia do Sol".

Para quem não conhece, o romance de Menalton Braff, lançado em edição impressa pela Planeta do Brasil, em 2004, e pela Primavera, em  tem como protagonista um militante político que se disfarça de agricultor, esperando que a repressão diminua para retomar sua vida anterior.

A dissertação foi orientada pelo professor doutor Paulo César Thomaz, e defendida na Universidade de Brasília, na área de concentração "Literatura e práticas soiais", dentro da linha de pesquisa "Representação na literatura brasileira contemporânea".

Postamos, a seguir, um fragmento do capítulo de Introdução:

"Na teia do sol

A Obra Na Teia do sol, de Menalton Braff, é a elaboração do relato da vivência do militante de esquerda André, codinome Tito, personagem principal, durante o período ditatorial brasileiro, explorando as consequências deste regime no interior do protagonista. Quando ele é forçado a partir para a mobilidade, primeiramente fica em um apartamento de um centro urbano não especificado, e, com a ajuda de Guma, vai para o refúgio na chácara disfarçado de horticultor. Desde então, ele nos conta todas as suas aflições e angústias por ter sido obrigado a abandonar tudo e todos. 

A forma do enredo em primeira pessoa, sem parágrafos, aproxima a narrativa da experiência fragmentária que propõe o autor, uma vez que ele utiliza o fluxo de consciência que articula tanto a continuidade como a descontinuidade na conjuntura romanesca. Formada de personagens como a amiga Solange, a namorada Teresa, o amigo Vilmar, o militante disfarçado de chacareiro Velho, o camarada Guma, o texto se encadeia entre episódios de exposição à morte, à tortura e aos abusos que acometem não só a Tito, como aos demais companheiros. O ápice da narrativa se dá quando a personagem chega ao extremo de sua condição no isolamento, quando perde completamente a comunicação com outras pessoas.

As possibilidades de o protagonista sair da chácara são remotas pelo terror de voltar a ser capturado e torturado. Ele vive todo o tempo do romance cercado pelo medo, pois teme que a qualquer hora possa ser descoberto. A dor da vida interrompida e das atrocidades que viu, soube, vivenciou e silenciou, fazem Tito ficar aprisionado no terreno campestre e dentro de si. Não há desfecho, assim como não há começo específico, pois, a condição do romance é ser fragmentária, assim como o pensamento de quem a relata. Quem dá o tom da narrativa é a violência sentida e descrita por André, que se apresenta tanto no âmbito psicológico como físico.

Em entrevista concedida ao programa de televisão Entrelinhas, ao ser questionado pela relação existente entre a experiência vivida no período ditatorial e a obra Na teia do sol, Braff (2009) afirma que os fatos da obra não se aplicam à sua vida, mas o emocional, como o medo e o ódio da clandestinidade, esteve presente em sua experiência. De acordo com a pesquisadora Eurídice Figueiredo, em A literatura como arquivo da ditadura brasileira (2017), esta condição nos faz refletir sobre a relação autor e obra presente nas literaturas que abordam a ditadura: o fato de ter um fundo biográfico ou autobiográfico não quer dizer que é simples. Para escrever autobiografia, como para escrever um romance, é preciso pensar na arte da composição narrativa e isso só se consegue com artifício, portanto, não se pode imaginar a restituição de “toda a verdade” do acontecimento, porque o acontecimento pertence ao domínio do vivido e a escrita literária pertence ao domínio da linguagem. (FIGUEIREDO, 2017, p. 123, grifo nosso).

O autor, neste caso, parte da matéria biográfica para reelaborá-la ficcionalmente no artifício do romance. A sua metodologia romanesca se faz por meio da fragmentação, da imprecisão do narrador personagem que expõe os fatos como se o pensamento estivesse estampado nas páginas do livro. Como diz o próprio escritor: “Caótico como nossa própria mente” (BRAFF, 2009). Ademais, a configuração não se relaciona ao contar diretamente, mas finge parecer o funcionamento do cérebro, como um mergulho na própria mente de André.

Essa técnica se denomina fluxo de consciência. A personagem central se refugia em seu interior, subvertendo o tempo, ou seja, sendo guiado pela enchente de pensamentos. Também é válido ressaltar que no livro se utiliza um estilo do fluxo de consciência que é o monólogo interior direto, isto é, sem presença do narrador para orquestrar o vivido. A partir da tese elaborada pela professora Natali Fabiana da Costa e Silva (2015), intitulada Os hábitos da memória nos conflitos dos protagonistas de Menalton Braff em Que enchente me carrega? (2000) e Bolero de Ravel (2010), vemos que:

Na esteira desses escritores, Braff descortina ao leitor a crise por que passam seus narradores e, assim, traduz o aspecto conflituoso de suas mentes por meio das obsessivas memórias que lhes assaltam e se imiscuem às reflexões e às ações da enunciação, [...] desvelando, antes de mais nada, mentes atormentadas e, em consequência, o recuo em direção ao eu. (COSTA E SILVA, 2015, p. 15, grifo nosso).

Esse recuo em direção ao eu propicia nos textos mencionados a presença da ruína, da atmosfera decadente, da solidão por meio de pensamentos repetitivos, incertezas e angústias. As camadas da mente estão representadas, dado que há elementos da consciência e inconsciência nas recordações. Além disso, ao considerarmos os aspectos narrativos existentes nas obras de Braff, uma estratégia constante é a assiduidade de memórias cíclicas, pois, a partir de Costa e Silva (2015), percebemos o retorno de determinado pensamento nos romances:

Consideramos que a estruturação dos romances por meio das repetições é dotada de inegável intencionalidade estética, estabelecendo, assim, a maneira singular do narrador braffiano. Este, ao narrar o próprio processo de degradação social e mental, cria, a partir das repetições, a imagem do seu desencaixe no mundo, procedimento que intitulamos de processo de esfacelamento da personagem. (COSTA E SILVA, 2015, p. 9, grifo do autor).

Essa mesma estratégia do narrador, como vimos, se faz presente em Na teia do sol. A narrativa apresenta essa recorrência de pensamento em sua estrutura para demostrar o nível de perturbação no qual o protagonista está inserido, bem como a impossibilidade de formular algo com raciocínio linear devido ao estado de choque em que as personagens são dispostas.

O contexto literário dos anos 2000, com o qual a obra dialoga, engloba narrativas variadas como Dois Irmãos (2000), de Milton Hatoum, Coração aos pulos (2001), de Carlos Herculano Lopes, O pintor de retratos (2001) de Luiz Antonio de Assis Brasil, Arquitetura do Arco-Íris (2004), de Cíntia Moscovich, Cinzas do Norte (2005), de Milton Hatoum, Um defeito de cor (2006), de Ana Maria Gonçalves. Esses romances falam sobre suicídio, ditadura militar, morte, relações familiares distorcidas, conflitos de identidade, mobilidade e escravidão no Brasil. Parte desses assuntos também aparecem na obra de Braff. Porém, a temática da ditadura militar em algumas dessas obras aparece de forma tangencial."


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