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CARTAS DOINTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. 

Daqui não saio


O médico me descobriu com Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e decretou, sem a menor consideração pelas carências com que convivo, meu afastamento definitivo do computador.

O decreto, como quase todos de sua estirpe, nasceu para ser violado. A vida perde muito de sua graça longe deste teclado. Não posso confessar isso ao médico, porque ele me abandonaria a meus próprios males físicos, mas alguns minutos por dia volto aqui para ter certeza de que tenho um tendão inflamado. Se continuo escrevendo, contudo, e com grande dificuldade, sinto que o estilo vem ganhando. Aos poucos vou aprendendo a dizer o essencial, a buscar a palavra exata, vou enxugando o texto, como gostam de dizer nossos críticos de bolso.

Hoje minha mulher foi até a farmácia para comprar um anti-inflamatório. E hoje é um domingo sem nada de especial, as farmácias, portanto, estão fechadas. Ela voltou desapontada, dizendo-me que comece a tomar o medicamento amanhã. Enfim, para quem já esperou vários decênios por um tratamento de LER, um dia não faz tanta diferença assim.

Ela não tinha terminado de me dar a lista das farmácias por que tinha passado, tentando descobrir sem sucesso a farmácia de plantão, quando toca o telefone. Era a dona de uma das farmácias procuradas. Sabe, ela disse, lá de casa eu vi sua esposa parando na frente da farmácia. Ela precisa de alguma coisa? Confirmei que sim, que eu precisava tomar um anti-inflamatório, porque a dor estava tornando-se insuportável.

Em menos de dez minutos eu estava engolindo o comprimido amarelo, que o médico me receitara.
A vida em uma cidade pequena traz vantagens que só quem a experimentou pode conhecer. Já morei em mais de uma capital de estado, incluindo aí a maior cidade brasileira, experimentei a vida em várias cidades médias. O que não conhecia, ainda, era o quanto podemos perder com o anonimato.
Nem tudo são vantagens, claro, numa cidade onde faltem recursos médicos e as oportunidades de trabalho sejam raras. O comércio é fraco, sem grande variedade de marcas; a vida cultural praticamente inexiste. Cinema, teatro, exposições, shows, concertos — nem pensar. Quando se precisa de algum desses bens culturais, é preciso pegar a estrada e viajar uns vinte minutos. E o mais difícil, então, é suportar todo este verde pelo caminho.

Só consegui chegar até aqui porque meu braço está doendo bem menos. Acho que ainda dá tempo de pegar um cineminha em algum shopping por aí*.

*Crônica escrita antes do início da pandemia.


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