É uma pena que a HBO tenha investido tão pouco na divulgação da terceira e última Temporada da adaptação dos livros da saga Fronteiras do Universo de Philip Pulman. De fato, além de relegar a exibição da série ao conturbado mês de dezembro (que este ano além das festas, teve Copa do Mundo), o canal ainda liberou dois episódios por semana. A sensação é que o canal que apenas resolver essa história, e pronto! Felizmente, os produtores estavam bem mais empenhados que os exibidores. 

Alguns meses após os eventos da segunda temporada, Will (Amir Wilson) segue através dos mundos em busca de Lyra (Dafne Keen), que sequestrada pela Sra. Coulter (Ruth Wilson) é mantida dopada e tem sonhos intensos. Enquanto isso, Lorde Asriel (James McAvoy) reúne um exército de diversos mundos para derrotar a autoridade, o que inclui feiticeiras e até anjos rebeldes. Já a Dra. Mallone (Simone Kirby) viaja através do multiverso até encontrar uma espécie que vai lhe ensinar mais sobre o pó.

Bastante fiel ao livro, A Luneta âmbar, a temporada abraça o ritmo acelerado das páginas para abraçar a grande quantidade de eventos. E assim como nas páginas este é ao mesmo tempo seu ponto forte e fraco. A riqueza de temas e a complexidade da trama é sempre bem vinda, mas o tempo limitado para abordar tudo, torna tudo mais corrido e deixa muitas respostas e análises à cargo do espectador ou leitor. 

Acredito que a falta de respostas definitivas seja uma escolha proposital de Pulman para os livros. Mas ao levar a história para o público mais amplo da TV, que inevitavelmente vai ter menos nuances na versão audiovisual do que aqueles que passaram centenas de páginas naquele Universo, alguns caminhos melhor definidos seriam bem vindos. 

Assim como um pouco mais de tempo para abordar os vários conflitos também beneficiariam a narrativa. Um bom exemplo é o arco de Asriel, que vimos pela última vez sendo "recrutado" pelos anjos, e já o reencontramos como líder de uma grande revolução. Batalha que também é desenvolvida a toque de caixa, sem que tenhamos tempo para entender todo o cenário. Quais são os povos envolvidos? porquê aquela localização? Sem falar em todo o uso científico do Pó. 

Ao menos esse elemento, o Pó, tem sido trabalhado ao longo das três temporadas, o que nos dá um panorama amplo das muitas metáforas e significados que ele carrega. O elemento é o livre arbítrio, o desejo, a individualidade, o ímpeto que move e transforma o mundo. Por isso é condenado por regimes autoritários como o Magistério. Tem diferentes interpretações em diferentes mundos, indo de um elemento mágico, à partícula divina, ou mesmo a matéria escura que nossos físicos estudam por aqui. É essa mistura de lógica e crença, ciência e religião, e a liberdade de pensar sobre elas, e até criticar (principalmente os regimes hierárquicos que se utilizam delas) que torna a obra tão complexa e envolvente.

De volta às jornadas dos personagens, Lyra e Will vão até os confins do universo, em jornadas pessoais e determinadas, que na verdade também afetam todos os mundos. Enquanto amadurecem e constroem uma relação sólida e íntima.  Surgem em suas jornadas alegorias bíblicas reinterpretadas, as mais evidentes são os conceitos de purgatório, e o Jardim do Edem, com direito a Eva e a serpente. Mas também, surgem acenos para a importância da vivência, e das histórias que nascem dela. A beleza da inocência se tornando experiência. Bem diferente da corrupção e sentimento de perda, costumeiramente associada a perda da inocência pela sociedade. 

Asriel e Coulter, tem que descobrir seu lugar e importância nessas jornadas. Precisando aceitar que seus papéis não são aqueles que eles desejariam. A dupla é falha, e cometeu muitos erros ao longo da vida, mas seus desfechos apontam que suas ações mesmo cruéis eram movidas por intenções que eles acreditavam ser benéficas. Com amor e medo envolvidos, mesmo diante da frieza com que eles encaravam o mundo. Os excelentes trabalhos dos veteranos McAvoy e Wilson são cruciais para transpor para a tela todas essas camadas de seus personagens. 

O destaque maior, no entanto, fica com Ruth Wilson, que já vinha trabalhando a ambiguidade de Marisa Coultler desde as temporadas anteriores. Expert em esconder seus sentimentos, até de si mesma. Maltratando sua alma literal e figurativamente. Sua relação com seu daemon é um dos embates mais interessantes dessa temporada. 

Outros grandes destaques, é claro, são Dafne Keen e  Amir Wilson que conduzem a história com carisma e uma excelente química. Mas o elenco é eficiente como um todo, incluindo as novas aquisições e os atores que dão aos personagens animados. E por falar nos muitos personagens em CGI, sua qualidade continua mais que satisfatória. Especialmente se considerarmos a grande quantidade de personagens, efeitos e o orçamento limitado de uma série televisiva. 

Apesar de um pouco corrida (todos gostaríamos de passar mais um tempo nesse universo, e descobrir mais detalhes), a terceira temporada de His Dark Materials consegue executar a difícil tarefa de cobrir todo o terceiro livro da franquia. Sem deixar de lado nenhum dos muitos e complexos temas que o autor embutiu em sua obra, e convidando o espectador a refletir sobre ele. 

Assim como no livro, o final é agridoce e emocionante e suas ricas temáticas seguem com o público para a vida. Unindo as três temporadas,  His Dark Materials, série produzida em parceria entre a BBC e HBO, é a adaptação que Fronteiras do Universo não apenas merecia, precisava!

A terceira temporada de His Dark Materials tem oito episódios com cerca de uma hora cada. Ao todo a série tem 23 episódios, todos já disponíveis na HBO Max. 

Leia as críticas da primeira e segunda temporadas da série. 

Ou confira as resenhas dos livros em que ela fora inspirada, A Bússola de Ouro, A Faca Sutil, e A Luneta Ambar.

A Oxford de Lyra é um livro extra, que mostra que ainda existem histórias a serem contadas nesse universo!