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O Suíça e Sérvia que foi mais que um jogo

Se ousarmos sugerir a qualquer pessoa que indique um país tranquilo, seguro, avesso a problemas geopolíticos, com indicadores sociais exemplares e uma capacidade singular de receber pessoas das mais diversas origens, a probabilidade de a Suíça ser apontada como resposta é enorme. Certamente, essas foram algumas das considerações feitas por uma série de pessoas de origem eslava, nos anos 80 e 90. As famílias Xhaka, Shaqiri e Behrami podem ser tidas como exemplos claros.


Foto: EPA



De origem albano-kosovar, esses três sobrenomes que ajudam a carregar o sonho futebolístico suíço estiveram em foco na partida entre os helvéticos e a Sérvia. Se, à primeira vista, um encontro entre Suíça e Sérvia não indica a presença de quaisquer problemas, sob a lente de um microscópio, essa passa a ser evidente. Tudo começa nos anos em que no Leste Europeu se via a imponência de uma enorme Iugoslávia.

Da Iugoslávia para a Suíça

Josip Broz Tito, ou simplesmente Marechal Tito, presidiu a supernação por quase 30 anos, entre as décadas de 50 e 80. Para tanto, era necessário manter a nação unida. Sua governabilidade dependia disso — independentemente do preço cobrado. Assim, a Iugoslávia reforçou a ideia de pan-eslavismo. Permitiu algumas liberdades aos diferentes grupos, controlou a mídia e reprimiu todas os movimentos separatistas. Bem ou mal, houve governo.

Com mãos de ferro, foi forçado um senso de nacionalismo a croatas, bósnios, albaneses, sérvios, macedônios, montenegrinos e eslovenos. Contudo, as diferenças dos povos sempre foram flagrantes. Elas estão presentes em tudo, na etnia, religião, idioma e até alfabeto. Embora identidades não sejam estáticas, estando sempre em evolução, nunca foi possível formar um senso de que a Iugoslávia era um todo.

Então, quando, em 1980, Tito veio a óbito, a chama dos nacionalismos adormecidos voltou a arder. No mesmo momento, uma crise econômica sem precedentes assolou o país que não conseguiu ficar à margem do que acontecia mundo afora. O esfacelamento da URSS e o início do fim da maior parte dos governos socialistas ressoou na Iugoslávia, que já não tinha um grande líder. Foram tempos tensos. Os movimentos de separação dos países aumentaram, assim como a repressão.

Nesse contexto, quem pôde, deixou a Iugoslávia. Muitos seguindo para a Suíça. Em 1991, acabaram começando as guerras e o sangue passou a ser derramado aos borbotões. Oficialmente, os conflitos se encerraram em 2001, mas a tensão nunca cessou. Especialmente em algumas regiões.

O Kosovo para sérvios e albaneses

Para a Sérvia, o Kosovo representa o berço de sua nacionalidade. Isso porque, em território kosovar, ocorreu uma grande batalha em 1389. Um exército sérvio cristão tentou impedir uma ofensiva turca-otomana sobre o território. Apesar de ter sido uma derrota eslava, o conflito ganhou estatuto de mito. Isso porque, perda de lado, consignou um senso identitário, ideológico e cultural no país. Por isso, há a recusa em reconhecer a Independência do Kosovo, proclamada em 2008.

Entretanto, o território é majoritariamente habitado por cidadãos de origem albanesa. E é aí que entram Granit Xhaka, Xherdan Shaqiri e Valon Behrami, os dois últimos não nascidos na Suíça, mas crescidos lá. Embora representem os helvéticos, os três sempre mantiveram ligações com seu passado. Nesse sentido, em entrevista à revista World Soccer, Behrami ofereceu palavras esclarecedoras a respeito de sua opção:

“A Suíça me deu a oportunidade de jogar futebol, de ser quem eu sou e agora eu tenho uma boa carreira [...] É a revolução do futebol, a qual envolve muitos jogadores não nascidos em seu país, mas que cresceram lá. Penso que é justo”.

No caso de Xhaka, o irmão, Taulant, defende a Albânia. Já Shaqiri exibe regularmente a bandeira do Kosovo em suas chuteiras. 

O Suíça e Sérvia: Albânia presente

Essa conexão só ficou mais evidenciada na partida entre Suíça e Sérvia, disputada na Copa do Mundo de 2018. Os suiço-albaneses-kosovares foram vaiados. Mas, Xhaka e Shaqiri decidiram o jogo, dando a vitória à Suíça. Acabaram devolvendo as provocações, exibindo o tradicional símbolo da Albânia em suas comemorações. Havia muita coisa em jogo.

Ao Independent, Shaqiri garantiu: “Eu nunca me esqueço que nasci no Kosovo. É um país, muito, muito pobre, não há muito emprego e dinheiro”. À mesma reportagem, o capitão suíço Stephan Lichtsteiner, apoiou seus companheiros: “Para eles, isso foi história. Isso é mais que futebol. Eles tiveram essa guerra que lhes deu grandes problemas”.

Foto: Reprodução/Panenka


Outra situação que convém lembrar aconteceu em 2014. Sérvios e Albaneses se enfrentaram pelas Eliminatórias da Euro 2016. Era esperada tensão, a qual ficou evidente quando um drone entrou no gramado. Exibia a bandeira da “Grande Albânia”, ideia que inclui o território kosovar. O acontecimento provocou uma briga generalizada no gramado. O jogo foi suspenso. Dias depois, em um clássico sérvio entre Partizan Belgrado e Estrela Vermelha, uma bandeira albanesa foi queimada, piorando ainda mais as relações diplomáticas dos países.

Por tudo o que representam Kosovo, Albânia e Sérvia, um jogo envolvendo a pacífica suíça acabou levantando polêmicas. Dedos foram apontados para todos os lados e os jogadores helvéticos podem acabar sendo punidos pela FIFA, que não admite manifestações políticas em suas competições. A despeito de tudo isso, de lados e disputa territorial, os acontecimentos serviram para reforçar o clima de tensão ainda vivido nos Bálcãs. Suíça e Sérvia acabou sendo bem mais que um jogo.



Para mais informações a respeito dos conflitos nos Bálcãs, vale a leitura do artigo: “Identidades e diferenças: o caso da guerra civil na antiga Iugoslávia”, de Sérgio Luiz Aguilar e Ana Luiza Mathias. Disponível no link: https://rbhcs.com/rbhcs/article/download/149/143


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