Anjo! de que matéria é feita a tua matéria alada?
FERNANDO PESSOA
O amor?
como falar dele?
sem eliminá-lo, dizer o que é?
Se só existe quando me escapa, como retê-lo numa ou noutra definição?
O projeto é contraditório, mas ele me solicita.
O amor não pede licença para entrar, surge já instalado;
o desejo que me determina goza da mesma autonomia.
Resta ceder e esperar que a própria escrita me tire do impasse.
Nisso sou como o amante que tudo espera do amado e sobretudo teima em navegar. Inicio como posso, timidamente
— assim aliás é no amor, que indicará o caminho se ele de fato me quiser.
O receio não é propriamente um empecilho.
Vivo do encontro, se não, da sua busca.
Disso a mitologia grega também trata.
A beleza de Narciso era razão
– 20 diosa, tamanha que, segundo a profecia de Tirésias, só não se vendo ele viveria.
Belo e adorado, mas indiferente à ninfa Eco, que, desprezada, morre de tristeza
— será pela morte vingada.
Narciso deve ser punido, e a divina Nêmesis o induz a saciar a sede nas águas cristalinas de uma fonte.
Aí, fascinado pelo rosto que vê, fica esquecido de comer e beber, cria raízes e se transforma numa flor.
Insensível ao outro, se consome na adoração da própria imagem.
Não fosse o amor, a vida não vingaria, porém nós o ignoramos a ponto de menosprezá-lo.
Não é então ridícula a confissão pública de uma paixão?
Acaso se autoriza os homens, quando entre si, a falar de algum amor que não o físico?
apresentar-se como um ser a quem o outro falta?
Nunca! Quanto às mulheres, verdade que lhes é dado falar de amor.
Não será assim precisamente por estarem elas de certa forma marginalizadas?
Depreciado, ridicularizado, o amor é o grande banido.
Valorizado, só o sexo, a que a modernidade nos entrega para neutralizar a paixão.
Só sexo, forma de interditar o amor, fazer de nós puritanos ao contrário.
Sendo uma paixão, o amor é indissociável de um certo não-saber.
Apresenta-se como um enigma e nunca se deixa decifrar inteiramente.
Impossível saber por que quero 21 tanto e a tal ponto disso dependo, por que ele me ama ou é ele que amo.
Ainda que consiga individualizar algo de cativante no seu rosto, no corpo, na postura, no seu modo de sorrir ou de falar, nenhum desses elementos é suficiente para me explicar a razão do amor, que se furta invariavelmente.
Não quer isso dizer que na realidade não escolho, sou tomado?
Ou, em outras palavras, que a escolha é inconsciente?
Indômito, o amor se impõe à minha revelia, coloca-me de imediato na posição de objeto
— embora, assumindo-o, eu possa tornar-me sujeito.
Subjuga-me, daí a revolta de um dos personagens de Corneille, Alidor, que ama e é amado, mas recusa a amarra, declara odiar o amor e quer submeter a paixão à razão.
Inês, eu te amo eu te odeio
O que se lê acima é a transcrição de um grafite.
Vi quando subia uma rua da cidade e não mais me esqueci dele.
Em vez de Inês, poderia ser eu ou qualquer um de nós.
Odeio no lugar de amo é o que há de mais corriqueiro, 22 como se o ódio fosse a cara-metade do amor.
Sujeita a esta, ameaça-me aquele
Amor Isso é Incrível— quem hoje tanto me quer pode amanhã me rejeitar.
O que explica essa virada? o gesto extremado do amante de Inês?
A resposta talvez se encontre numa frase que agora me ocorre, é da máxima gravidade, mas é comumente dita: sem você eu não existo.
Ora, se o outro é a condição do meu ser, se para existir dependo sobretudo do seu amor, é óbvio que se este me for recusado posso odiar o outro.
Tendo glorificado Inês, quero arrasá-la
— uma lógica aterradora, em que a vida se decide e até o crime se torna possível. O amor é sublime e cruel, estranho que se tenha querido fazer dele um cordeirinho do bom pastor.
Veja
Tomar bebidas alcoólicas atraímos espíritos perturbados?
Desde a mais remota data a humanidade está envolvida com o alcoolismo.
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