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Velhos amigos

(Imagem: Pinterest)


Encontraram-se no ônibus.

- É, esfriou de novo. Mas vai fazer calor – disse o que usava um gasto chapéu cinza. O Outro fez que não ouviu.

- É a formiga que está dizendo: vai esquentar e vai chover... – insistiu.  O companheiro de viagem aceitou a provocação:

- É isso: formiga, quando começa a carregar folha, pode saber que vai chover.

Pronto. A faísca de conversa já se transformara em chama. O de chapéu acomodou-se no assento, pôs no chão entre as pernas uma sacola cheia de misterioso conteúdo envolvido em folhas de jornal, e cruzou os braços:

- Num é? Lá na minha terra a gente aprende essas coisas desde criança. O senhor é de onde? – perguntou cutucando o outro de leve com o cotovelo.

- De Bom Jardim.

- Gente... De Bom Jardim? Eu também, uai! Não me diga que é gente dos Gouvêa...

O companheiro pigarreou meio sem jeito, coçou a cabeça e respondeu que não. E voltou às formigas:

- Quando eu era criança, tinha um jardineiro que ia à casa da minha tia. Ele dizia que formigueiro é universidade, de tanta sabedoria.

O de chapéu abriu sorriso largo e, empolgado, deu um tapinha na perna do outro:

- Por acaso o nome desse jardineiro era seu Telêmaco?

- Não, era Barbosa. Seu Barbosa.

- Pois é... – e lá se foi outra cutucada. – Telêmaco Ruilando Barbosa. Era meu tio.

-Hum... Sei não. Pra todo mundo era seu Barbosa. Tinha uma bicicleta vermelha...

O sobrinho do jardineiro fez um gesto de desdém:

- Ah, mas essa era mais nova. Toda a vida ele andou numa Rabeneick verde.

Sem argumentos e ânimo para prosseguir, o outro se calou. O de chapéu tentava retomar a conversa a qualquer custo. Até que falou que o tio Telê era casado com dona Frasinha – “um doce de pessoa”. Foi aí que o companheiro acordou:

- Dona Frasinha? Eufrásia dos Mamão?

- É... Conheceu ela?

- Era madrinha da minha irmã.

Após um instante de silêncio, o do chapéu arriscou:

- Não me diga que sua irmã era a...

- Leninha.

- Isso, a Leninha. Amiga da Claudete, né?

- É.

O do chapéu ia dando outro tapinha na perna do irmão da Leninha que, esperto, fingiu ajeitar-se no banco para livrar-se de mais uma cutucada, que desta vez ficou no ar.

- Não é possível que então você seja o Vandavel... – quis saber o do chapéu.

- Sou o irmão dele, o Vandeval.

- Ô, Ventinho, nem te reconheci!

Vandeval não gostou de ter o apelido lembrado. Ia perguntar o nome do de chapéu, mas ele se antecipou:

- Lembra de mim, não? Sou o Kleber...

- Kleber... Kleber... - Vandeval se esforçou.

- Brito. Kleber Brito, lembra não?
Vandeval então se sentiu vingado ao recordar um anel usado pelo amigo de infância com a gravação "K. Brito".

- Ô, Cabritin, nem lembrava mais...

Mais que a nostalgia, foi a curiosidade recíproca que empurrava a prosa. Até que Cabritin falou de amor antigo, desses que ninguém esquece, apesar do tempo.

- Nunca mais vi a Claudete, Ventinho. Mas se encontrasse a danada hoje, ainda era capaz de fazer uma besteira...

O outro sorriu enigmático, enquanto acionava o sinal de parada. Antes de deixar o ônibus, disse que se lembrava da amiga da Leninha, pois se casara com ela.

Lá longe, um trovão anunciou chuva a caminho.


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