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O solitário

Havia se passado duas semanas depois que saíra do hospital, e finalmente Eleonore sabia o que era sanidade. Há muito somente achou-se doente, agora sabia que era especial. Resolvera tirar férias, então reabriria a floricultura, mas ficaria às escuras, pois algo divino, lindo lhe avisou que tudo o que via era real, não fruto de um diagnóstico cético que a marginalizava.

Olhava agora para a janela da Casa do Lago que alugara por alguns dias. Era um lugar calmo, com uma visão perfeita e com pessoas novas, que era o que Eleonore precisava. Ergueu uma xícara de chá, e bebera enquanto via a imensidão azul que tinha à sua frente.

A casa ficava há menos de dez metros da beira do lago e vigas de concreto à erguiam sobre o solo para evitar que uma possível enchente entrasse. Era como uma chalé moderno, com um tom modernista, repleto de formas cúbicas, metal e vidro. Se dividia em dois andares: o primeiro o cubo maior, com uma parede de vidro de frente para a água, e nele ficavam a sala, cozinha e um banheiro. No andar superior, a suíte continha uma sacada relativamente grande, também de com vista panorâmica para o lago. Ao redor da casa, havia cerca de oito casas iguais àquela, todas ocupadas por veranistas.

Um som agudo arrebentou a concentração e o silêncio de Eleonore, fazendo-a derrubar chá na camisa e na saia longa. Deixou a xícara sobre o balcão inglês da cozinha, e se dirigiu a porta, limpando a mancha com um guardanapo e xingando fosse lá quem havia a assustado.

Assim que abriu a porta teve uma visão um pouco perturbadora, por Assim dizer. Uma senhora corcunda, com seus mais de setenta anos a observava por trás de um par de óculos gigantes e redondos. Vestia uma saia longa florida, uma blusa de crochê branca e tamancas de madeira. Tinha um cabelo leonino branco e agressivo, e por fim, um sorriso bobo de admiração.

A senhora se apresentou como Olga Hermedith, e disse ser uma morada antiga da região, e a única fixa. Eleonore via nela possivelmente seu futuro. A velha se vestia igual à ela, até o par de óculos era o mesmo. Se sentiu enojada, e pensou em procurar um fisioterapeuta: meu deus, aquela corcunda era enorme. Não poderia ficar igual à ela.

Olga lhe ofereceu uma cesta, repleta de doces e coisas de vovó, como bolo, biscoitos e mel. Eleonore agradeceu e convidou-a para entrar. A senhora entrou devagar, elogiando o lugar e vista, mas disse que ficaria pouco tempo, pois só havia vindo-lhe dar boas vindas e uma boa estadia. A jovem moça agradeceu e disse que ela poderia permanecer mais. A senhora negou, disse que ninguém poderia ficar muito tempo pois cuidava do marido em casa, pois era um senhor muito doente e de difícil convivência.

Eleonore, comovida, disse que parecia ser uma vida muito difícil e perguntou se alguém à ajudava. A velha virou-se para ela, com um sorriso gigantesco que desfigurava suas maçãs do rosto e respondeu “Não tenho ninguém ao meu lado. Nunca tive. Tenho um marido, que por anos foi carrasco, e agora paga pelo que fez. Não havia lugar melhor para eu morar se não aqui, no Lorn Giant Lake.”

Lorn era uma palavra antiga para solitário ou perdido. A moça se comoveu com Olga, mas essa realmente não estendeu sua permanência. Ficara pouco mais de cinco minutos e então partiu. Eleonore a viu sumindo devagar pela trilha e então voltou para dentro de casa. Sentou-se de frente à janela novamente, e observou o por do sol tingir o interior do estabelecimento com dezenas de tons de laranja. Acabou dormindo.

[...]

Um barulho estranho acordou Eleonore algumas horas depois. Já havia escurecido e a única luz que conseguia ver era a do relógio do micro-ondas. O barulho se repetiu e parecida vir da porta da sua casa. Era como um choro de um homem agonizando, em tortura ou sofrimento. Abriu-a e não encontrou nada, mas continuou a ouvir o choro, que vinha da trilha que seguia para o lago.

Calçou as tamancas de madeira e seguiu pelo caminho, na escuridão e confiando somente em seu ouvido. Assim que seus olhos se acostumaram com a escuridão, e que chegou na praia de pedras que beiravam ao lago, viu uma figura humanoide, completamente negra que assim que a viu, correu para dentro da água, ainda chorando.

Eleonore correu de encontro ao lago, com os sons dos sapos e insetos da noite, e ao chegar à beirada, viu que havia um caminho que conduzia ao centro do lago, feito de blocos de pedra cobertos de musgo. Assim que pisou no primeiro degrau, todo o barulho ao redor do lago cessou. Era como se ela estivesse se tornado surda, e nada podia mais ouvir. Então deu um passo para frente, e continuou andando, degrau por degrau.

[...]

Algum tempo se passou até que finalmente os degraus acabaram e ela se viu defronte à um grande círculo de pedra no meio da água. Ao redor, via de longe pontos minúsculos de luz que vinham das casas à beira e todo aquele lugar parecia um altar. Assim que prestou atenção novamente, percebera que a luz do luar iluminava a plataforma, e no centro dela, de pé, estava a sombra que vira entrando no lago.

O ser estendeu a mão para que Eleonore junta-se à ele, e ela não sentiu medo. Sentia nele uma segurança, sentiu conforto e amizade. Entrou no círculo e abriu-lhe um sorriso cativante. A sombra a reverenciou, e assim que abaixou, a moça viu que não estavam ali sozinhos. Atrás do amigável espirito, havia outro, com uma energia tão negativa que Eleonore sentiu náuseas. A sombra do mal agarrou a outra pelas costas, e como se usasse uma faca, abriu-lhe a garganta. De dentro, escorreu um liquido viscoso, que encheu toda a plataforma e sujara Eleonore.

O assassino gargalhou e então desapareceu com o vento. A moça segurou o corpo opaco entre os braços e chorou, pois nada poderia fazer. Se sentiu tonta e então apagou, junto ao corpo no meio do lago. Talvez não vivesse também. 


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