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Razões bíblicas para duvidar que os dias da criação eram períodos de 24 horas

R. C. Sproul, que elaborou a versão original da Declaração de Chicago sobre a Inerrância Bíblica, uma vez disse: “Quando as pessoas me perguntam qual a idade da Terra, eu digo a elas que eu não sei – porque eu realmente não sei”.

Diferentemente do que é geralmente insinuado ou proclamado por criacionistas da terra jovem, a Bíblia em nenhum lugar ensina diretamente a idade da Terra.

Em vez disto, trata-se de uma dedução a partir de uma combinação de crenças, como (1) Gênesis 1:1 não é o ato original de criação, mas um resumo ou título de Gênesis 1:2-2:3; (2) a semana da criação de Gênesis 1:2-2:3 está se referindo ao ato de criação em si; (3) cada “dia” (hebraico: yom) da semana da criação está se referindo a um período de tempo de 24 Horas (confirmado pela afirmação de Êxodo 20:11); (4) uma genealogia de uma Terra antiga levaria necessariamente a incluir a macroevolução, hominídeos e a morte animal antes da Queda – cada um dos quais contradiz o que a Escritura nos diz; e (5) a idade aproximada da Terra pode ser reconstruída através das genealogias marcadoras de tempo em Gênesis.

Esses cinco pontos podem ser todos verdadeiros, mas eu penso que seja útil entender que a questão “qual a idade da Terra?” não é algo respondido diretamente pelas Escrituras, mas algo deduzido desses e de outros pontos.

É normalmente sugerido que essa é a “leitura simples” das Escrituras – tão obviamente clara e verdadeira – que qualquer um que duvidar dela foi influenciado por Charles Darwin e seus sucessores neodarwinistas. Frequentemente alega-se que ninguém duvidava desta leitura antes de Darwin. (Isso simplesmente não é verdade – desde antigos rabinos até Agostinho e B. B. Warfield – mas esta é uma discussão para outro post em outro momento.)

Então pode ser uma surpresa para alguns conservadores contemporâneos que alguns dos grandes gigantes da fé não estavam convencidos dessa interpretação.

  • Agostinho, escrevendo no início do século cinco, disse: “Que tipo de dias são esses é extremamente difícil, ou talvez impossível, de determinar” (Cidade de Deus 11.7).
  • Gresham Machen (1881-1937), autor da melhor crítica do século 20 do liberalismo teológico, escreveu: “Certamente não é necessário pensar que os seis dias descritos no primeiro capítulo da Bíblia têm a intenção de se referir a seis dias de vinte e quatro horas cada um”.
  • O estudioso do Antigo Testamento, Edward J. Young (1907-1968), um defensor eloquente da inerrância bíblica, disse em relação aos dias da criação: “Esta é uma questão difícil de responder. Indicações não faltam de que eles talvez tenham sido mais longos do que os dias que nós conhecemos, mas a Escritura em si não fala tão claramente sobre isto como alguém gostaria”.
  • O teólogo Carl F. H. Henry (1913-2003), um dos mais importantes teólogos da segunda metade do século vinte e um defensor da clareza e autoridade escriturística, argumentou que a “A fé em uma Bíblia inerrante não se apoia na juventude ou na antiguidade da Terra… A Bíblia não exige uma crença em seis dias literais de 24 horas como base da criação em Gênesis 1-2… É infundado insistir que dias de vinte e quatro horas estão envolvidos ou são necessários”.
  • O estudioso do Antigo Testamento e hebraísta Gleason Archer (1916-2004), um forte defensor da inerrância, escreveu: “Com base na evidência interna, estou convicto de que a palavra yôm em Gênesis não poderia ter sido utilizada pelo autor hebreu para designar um dia literal de vinte e quatro horas.”

Eu quero sugerir que existem algumas boas razões textuais no relato da criação em si para questionar a exegese que insiste nos dias como períodos estritos de 24 horas. Estou tão certo disso como estou da ressurreição de Cristo? Definitivamente não. Mas eu receio que em alguns seguimentos da igreja tenhamos construído um “cercado exegético ao redor da Torá”, temerosos de que, se questionarmos qualquer aspecto dos dogmas do criacionismo da terra jovem, teremos aberto a porta para o liberalismo. Os defensores da inerrância acima mostram que este não é o caso. E a paixão pelo Sola Scriptura nos fornece humildade e disposição para voltarmos ao texto e verificarmos se as coisas são assim.

O que se segue é um resumo breve das razões bíblicas para duvidar da exegese do criacionismo da terra jovem.

1. Gênesis 1:1 descreve o ato original de criação a partir do nada e não é um título ou resumo

Gênesis 1:1 nos diz que “No princípio Deus criou os céus e a terra”.

Este não é um título ou resumo da narrativa que se segue. Ao contrário, é o pano de fundo que descreve como o universo veio a existir.

Em Gênesis 1:1, “criou” está no tempo perfeito e, quando um verbo perfeito é usado no começo de uma unidade de narrativa hebraica, ele geralmente funciona para descrever um evento que precede a história principal. (veja Gênesis 16:1, 22:1, 24:1 para comparações).

Além disso, a conjunção hebraica no começo de Gênesis 1:2 apoia essa leitura.

Se Gênesis 1:1 é meramente um título ou resumo, então Gênesis não ensina a criação a partir do nada. Eu, porém, penso que Gênesis 1:1 está descrevendo o ato original de Deus criando “céus e terra” (uma designação para o universo, indicando totalidade – como “acima e abaixo”, “leste e oeste”, “perto e longe”, “erguendo-se e abaixando-se”, “que se vê e que não se vê”). Gênesis 1:1 descreve a criação de todas as coisas “visíveis e invisíveis” (Colossenses 1:16) e os versículos 2 em diante se concentram no que é “visível”.

Depois do ato de criação em Gênesis 1:1, o ponto principal da narrativa (em Gênesis 1:3-2:3) parece ser a construção e preparação da terra para seus habitantes, com um modelo altamente estruturado de formar e encher.

2. A terra, as trevas e as águas são criadas antes do “primeiro dia”

Em Gênesis 1:1, Deus cria “os céus e a terra”. (Em Joel 3:15-16 vemos que “céus” engloba o sol, a lua e as estrelas.) Em Gênesis 1:2, então, somos informados que essa terra que foi criada é sem forma e vazia, que as trevas cobrem as águas e que o Espírito está pairando sobre elas.

Se Gênesis 1:1 não é o ato de criação original, então da onde vieram a terra, as trevas e as águas que são descritas em Gênesis 1:2 antes do primeiro decreto de Deus? Além disso, se o sol é criado no quarto dia (Gênesis 1:16), porque já temos a luz aparecendo em Gênesis 1:3?

Nos ajuda a lembrar que em hebraico existem palavras distintas para criar e para fazer. Quando a construção hebraica que haja é usada na frase “Seja a tua misericórdia … sobre nós” (Salmos 33:22, conf. Salmos 90:17, 119:76), isto obviamente não é um comando para que o amor de Deus comece a existir, mas para que ele funcione de um certo modo. De modo similar, se o sol, a lua e as estrelas foram criados em Gênesis 1:1, então eles foram feitos ou direcionados para uma função particular em Gênesis 1:13, 14, 16 – a saber, demarcar o tempo de adoração no calendário humano.

3. O sétimo “dia” não é um período de 24 horas

Em Gênesis 2:2-3 somos informados que “No sétimo dia (yom) Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia (yom) descansou de toda a obra que tinha feito. Abençoou Deus o sétimo dia (yom) e o santificou, porque nele descansou de toda a obra que realizara na criação”. A questão que devemos nos perguntar é: O “descanso” criacional de Deus era limitado a um período de 24 horas? Ao contrário, o Salmo 95 e Hebreus 4 nos ensinam que o descanso sabático de Deus “se mantém” e que podemos adentrar nele ou sermos impedidos.

Como observa Miles Van Pelt:

“Em Êxodo 20:11, a ordem para que o povo de Deus se lembre do dia do Sábado é fundamentado no modelo de trabalho e descanso de Deus durante a semana da criação. O povo de Deus deveria trabalhar durante seis dia solares (Êxodo 20:9) e então descansar no sétimo dia solar (Êxodo 20:10). Portanto, se pode ser sustentado que o sétimo dia de descanso de Deus em Gênesis 2 se estende além do escopo de um simples dia solar, então a correspondência entre o ‘dia’ do descanso de Deus e o nosso ‘dia’ de observância seria analógica e não idêntica. Em outras palavras, se o sétimo dia é um dia sem fim, ainda em progresso, então nosso reconhecimento semanal desse dia não é temporalmente idêntico. Como tal, não há razão para manter que o mesmo não possa ser verdadeiro em relação aos seis dias prévios, especialmente se  a exigência exegética interna de Gênesis 1 e 2 apoia esta realidade.”

4. O “dia” de Gênesis 2:4 não pode ser de 24 horas

Depois de usar “o sétimo dia” de uma maneira analógica (isto é, similar, mas não idêntica a um dia de 24 horas), lemos no próximo versículo, Gênesis 2:4: “Esta é a história das origens dos céus e da terra, no tempo em que foram criados: no dia (yom) que o Senhor Deus fez a terra e os céus”.

O significado preciso do que este dia quer dizer é debatido. Mas parece claro, se acreditamos que a Bíblia não contradiz a si mesma, que esse “dia” (singular) – em que os eventos da criação (“gerações”, no plural) ocorrem – não pode se referir a um único dia de 24 horas. De fato, ele não parece corresponder a nenhum dos dias da semana da criação, mas trata-se de uma referência ao ato de criação original (Gênesis 1:1) ou de uma referência abrangente ao longo processo de formação e enchimento da terra inabitável (Gênesis 2:2 em diante). Em quaisquer dos casos, esse uso de yom apresenta um quebra-cabeça para aqueles que insistem que uma exegese da “terra jovem” é a única interpretação que considera os capítulos iniciais de Gênesis de maneira “literal”.

Defensores dos dias de 24 horas reconhecem que yom pode significar mais do que um dia no calendário, mas sempre insistem que o “yom [numerado]” (como em “primeiro dia”) sempre, sem exceção, refere-se a dias de 24 horas na Bíblia hebraica. Isto, porém, não é verdade. Não apenas o  restante do cânon nos diz que o “sétimo dia” não é de 24 horas, mas Oséias 6:2 (“terceiro dia”) parece ser usado de uma maneira analógica que não se refere a um período preciso de 24 horas.

5. A explicação de Gênesis 2:5-7 pressupõe mais do que um dia comum no calendário

Em seu artigo Because It Had Rained (“Porque choveu”, parte 1 e parte 2), Mark Futato, do Reformed Theological Seminary, explica a lógica de Gênesis 2:5-7 e mostra seu papel na teologia da aliança do Antigo Testamento.

Futato vê nessa passagem um duplo problema, uma dupla razão e uma dupla solução.

Qual é o duplo problema?

1. Nenhuma vegetação natural havia aparecido na terra.

2. Nenhum grão cultivado havia ainda brotado.

Qual é a dupla razão para esses problemas?

1. O Senhor Deus ainda não havia mandado chuva sobre a terra.

2. Não havia homem para cultivar a terra.

E qual é a dupla solução para esses problemas?

1. Deus fez nuvens de chuva subirem da terra e a cobrirem com orvalho.

2. O Senhor Deus formou o homem.

Perceba a razão pela qual não havia ainda arbustos ou pequenas plantas no Jardim: porque “ainda não havia chovido”. A explicação para essa falta de vegetação é atribuída à providência comum. Mas, se o sexto dia é um período de 24 horas, essa explicação faria pouco sentido. As próprias palavras do texto pressupõem estações e ciclos da chuva e uma passagem maior de tempo durante esse “dia [yom]” que Deus formou o homem. Isso não quer dizer que se refira a milhares ou centenas de anos. Apenas significa que é muito duvidoso que signifique um período de 24 horas.

Então o que Deus quis dizer com “dias” em Gênesis 1?

Vamos voltar ao “sétimo dia”. No sétimo dia, de acordo com Êxodo 31:17, Deus “trabalhou e descansou”. Por que um Deus onipotente e incansável necessitaria “descansar”? A palavra hebraica usada é a mesma para se referir ao ato de se recuperar o fôlego após uma longa corrida (Êxodo 23:2; 2Samuel 16:14). A razão pela qual não é inadequado dizer que Deus descansou é a mesma pela qual não é inadequado dizer que Deus respira, paira, é semelhante a um oleiro, cultiva, procura, faz perguntas, desce, etc. – tudo isto são imagens de Deus usadas em Gênesis. A revelação de Deus a nós e analógica (nem inteiramente idêntica nem inteiramente dessemelhante) e antropomórfica (acomodada e comunicada em nossa perspectiva para que possamos entender).

Então, quando Deus se refere a “dias”, ele quer que substituamos mentalmente a palavra por “períodos” ou “eras”? Não.

Ele quer que pensemos em unidades precisas de tempo, marcadas por exatas 24 horas em que a Terra realiza a rotação em seu próprio eixo? Não.

Será que ele quer que pensemos no dia de trabalho hebreu? Sim, de uma maneira analógica e antropomórfica. Assim como o “sétimo dia” nos faz pensar em um dia comum no calendário (mesmo que não seja tecnicamente um período de 24 horas), os outros “seis dias” também devem ser lidos da mesma maneira.

Isso era o que o grande teólogo reformado Herman Bavinck (1854-1921) acreditava: “Os dias da criação são os dias de trabalho de Deus. Através de laborosos, resumidos e renovados seis dias, ele preparou toda a terra.”

É isso que o teólogo presbiteriano W. G. T. Shedd (1820-1894) também defendia:

“Os sete dias da semana humana são cópias dos sete dias da semana divina. Os ‘dias divididos pelo sol’ são imagens dos ‘dias divididos por Deus’.

Isso concorda com a representação bíblica em geral. O ser humano é a cópia do divino, não o divino do humano. A paternidade e filiação humanas são cópias finitas da paternidade e filiação Trinitária. Toda justiça, benevolência, santidade, misericórdia humanas, etc. são imitações das correspondentes qualidades divinas.

A razão dada para o homem descansar no sétimo dia solar é que Deus descansou no sétimo dia da criação (Êxodo 20:11). Mas isso não prova que o descanso divino foi de apenas 24 horas de duração; assim como o fato de a filiação humana ser uma cópia da divina não prova que a última é sexuada.”

Agostinho (o mais influente teólogo da Igreja Ocidental) acreditava em algo similar, assim como Franz Delitzsch (talvez o maior hebraísta cristão). Era a visão mais comum entre os teólogos holandeses conservadores do final do século 19 e início do século 20.

Deus é retratado como um trabalhador se dirigindo à sua semana de trabalho, trabalhando durante o dia e descansando durante a noite. Em seu Sábado, então, ele aproveita um pleno e revigorante descanso. Nossos dias são como os dias de trabalho de Deus, mas não idênticos a eles.

Qual foi a duração do período de trabalho de Deus? A Bíblia não diz. Mas eu não vejo razão para insistir que eles sejam somente de 24 horas de duração.

Para saber mais sobre esta interpretação, veja C. John Collins, Genesis 1-4: A Linguistic, Literary, and Theological Commentary (P&R) e Vern Poythress, Redeeming Science: A God-centered Approach (Crossway).

Para fontes curtas e rápidas, veja os livretos de Vern Poythress, Christian Interpretations of Genesis 1 e Did Adam Exist? Além disso, parece que o novo livro de Kenneth Keathley e Mark Rooker é a melhor introdução às questões sobre criação e evolução de uma maneira concisa, acessível e ao mesmo tempo completa: 40 Questions About Creation and Evolution (Kregel, 2014).

Atualização: Para ver alguns bons exemplos de crentes reformados discutindo esses assuntos com compaixão e cuidado (ao invés de com rancor), eu recomendaria o ebook gratuito de Keith Matthison, A Reformed Approach to Science and Scripture (originalmente uma série num blog) e o relatório PCA do Creation Study Committee.

Traduzido por Bruno Mori Porreca e revisado por Tiago Alexandre da Silva.

Texto original: Biblical Reasons to Doubt the Creation Days were 24-hour Periods. The Gospel Coalition.

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