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Sturm # 10 – Um cágado suicidou-se em Brasília


Valério começou Pelo Fim. Recebi a notícia que o cágado Tinha se suicidado logo após saber que eu iria ter o apêndice operado. Acho que ele esperou um par de horas para que o baque não fosse tão grande.

Já tinha escutado falar do caso de baleias suicidas. Elas nadam até a praia e esperam, encalhadas, a morte chegar. Mas o cágado se jogou da minha varanda do quarto andar, num dia ensolarado e úmido, contrariando todas as expectativas de Darwin e Durkheim.

Nas horas que se antecederam à cirurgia, fiquei pensando muito no cágado. Eu já tinha uma impressão de que ele não andava bem em Brasília. Na última quinta-feira, nosso passeio pela quadra comercial durou quase três horas. Sendo que o cágado percorria o caminho “casa-Carrefour Bairro” num tempo médio de uma hora e quarenta e sete minutos. Os décimos eu nunca contei.

Mas não era só por isso… Eu acho que o cágado nunca se adaptou à capital. Ele veio comigo e com minha vontade de fazer uma carreira. Todo mundo vem pra cá por um sonho de uma Vida Melhor, ou por acompanhar alguém que tem o sonho de uma vida melhor. Mesmo que esse sonho não seja tão nobre assim ou até que ele seja sufocado pelo pacatismo.

A gente acaba esquecendo que o bicho vive é de terra. Que o perto é longe quando os passos são maiores que as patas. Que a sobrevida é mais curta fora do habitat natural. E o céu, que todos falam, seus olhos nunca conseguiam enxergar… A verdade é que as pessoas esperam mais de Brasília do que ela pode realmente dar.

Valério sempre me aconselhou a nunca colocar toda a culpa em Brasília. Eu tinha muitos amigos com cágados felizes. Eles diziam gostar da organização, da tranqüilidade, do verde, do pôr-do-Sol, do estilo de vida prático… Enfim, pouco me importa que merda eles falavam. Meu cágado se matou e eu nem sequer pude ir ao seu enterro.

Dizem que ver o cadáver cara-a-cara ajuda na superação do processo de trauma. Eu não o vi. E acabou que nem o apêndice os médicos brasilienses quiseram operar…

Eu entrei num ônibus para o Rio de Janeiro uma semana depois com minha carreira feita e um apêndice prestes a estourar. E deixava em Brasília o pacatismo, Valério, e o corpo do meu cágado apodrecendo como aquelas distantes vontades que me levaram à capital. Eu também começava pelo fim.




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